São 4815 as denúncias por crimes de abuso sexual cometidos por religiosos católicos contra crianças, jovens e mulheres, validadas pela Comissão Independente criada para o efeito. As vítimas foram denunciantes em 512 casos e os restantes são testemunhos de terceiros.
Corpo do artigo
As vítimas são maioritariamente crianças e adolescentes colocados em colégios religiosos, internatos e instituições de acolhimento dirigidos e supervisionados por padres. Mas só 25 seguiram para processo-crime. A esmagadora maioria está já prescrita. É obsceno que indivíduos que foram chamados pela fé para servir o seu Deus e proteger as crianças desvalidas que se albergavam à sua protecção, abusassem e violentassem de forma cruel a inocência daquelas. Nestas instituições, os jovens que deviam ser orientados para uma vida livre, solidária e responsável, foram pelo contrário torturados, humilhados, descobrindo de forma distorcida a sua sexualidade e intimidade. São crimes hediondos praticados por alguns padres e encobertos por outros da hierarquia. Não podemos, porém, confundir ervas daninhas com a relva verde e refrescante dos campos. Em minha opinião, é abusivo e perigoso titular-se estes casos de abusos sexuais na Igreja, instituição que dá ânimo, consolação e razão de viver a milhões de crentes. Não esquecer que foi o Papa Francisco quem incentivou a investigação e descoberta da verdade. Espero que esta sua vontade e determinação seja a de todos os seus representantes e que prossigam o caminho da ética e da justiça. Não é aceitável o conhecimento cúmplice e silencioso destes crimes. Incumbe à hierarquia católica denunciar de imediato casos de abusos de que tenham conhecimento, pedir perdão e prestar o apoio necessário ao reequilíbrio físico e mental das vítimas. Abusar de crianças e jovens é absolutamente vil, a merecer repúdio de todos. As crianças são o bem mais sagrado e a esperança num futuro melhor com pessoas felizes com a sua infância, com a sua liberdade e a descoberta oportuna da sua sexualidade e escolha do seu rumo afectivo. Creio que o facto de não ser permitido o casamento de padres e respectiva hierarquia e de não haver mulheres neste segmento torna exponencial a ocorrência de situações de abuso sexual de jovens.
São temas que terão de ser discutidos no seio da Igreja. Entretanto, concordo com a anunciada alteração do prazo de prescrição do período de denúncia dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e de mutilação genital feminina, quando o crime foi praticado em menor, passar para os 30 anos de idade da vítima. Enquanto não recupera dos traumas psicológicos e físicos sofridos, não é capaz de se autodeterminar a apresentar denúncia. Precisa de maturação, coragem e força para denunciar o seu agressor. O prazo proposto parece adequado. Agora, é preciso que a Igreja e responsáveis políticos e sociais apoiem estas vítimas e as façam libertar das trevas interiores que carregam consigo.
*Ex-diretora do DCIAP
A autora escreve segundo a antiga ortografia