Como muitos saberão, antes de 1974 a presença do Estado na economia fazia-se sentir fortemente, pela forma paternalista de regulação do mercado. Salazar desconfiava do mercado, das grandes empresas e, ainda mais, da concorrência. Essa dificuldade em conviver com o mercado entranhou-se na nossa maneira de ser e pensar tornando-se, porventura, no legado mais perverso e perene do longo consulado salazarista.
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Estou tão convencido disso que acho valer a pena repeti-lo mesmo quando, como tem acontecido com a questão dos preços dos combustíveis, poderia parecer que tínhamos descoberto as vantagens da concorrência. Analisando, porém, com um pouco mais de cuidado as declarações proferidas, é possível perceber aquela influência. O que delas resulta é a convicção de que os preços não reflectem a evolução do preço do petróleo por haver poucas empresas e por estas serem grandes. Com raras excepções, a solução proposta não é a de incrementar a concorrência, mas introduzir regulação no mercado. Por se tratar de um bem essencial, dizem!
Ora, se o critério fosse esse, qual o preço a que se deveria estar, hoje, a vender o pão? Aqui há uns tempos, no auge da subida do preço dos combustíveis e dos cereais, um responsável do sector veio defender uma subida do preço do pão em igual percentagem, como se o custo de fabrico resultasse apenas daqueles factores. A Autoridade da Concorrência, e bem, mandou-o calar, ameaçando processá-lo por considerar que aquelas declarações indiciavam um incentivo à concertação de preços. O interessante é notar que agora que o preço do petróleo, tal como o dos cereais, desceu, mais ou menos, para metade não se tenha ouvido o distinto líder associativo anunciar uma descida na mesma proporção. Critérios!
Ou seja, fala-se muito sobre o preço dos combustíveis, mas sobre o preço do pão não se ouve uma palavra! Será por já ser hoje menos essencial do que a gasolina?
Não me interpretem mal. Num mercado muito concentrado e com as características de divulgação de informação, como é o dos combustíveis, é possível que haja preços alinhados sem uma violação formal das regras da concorrência. E havendo poder de mercado, o preço não baixará para o que resultaria se houvesse concorrência. Mas não é verdade que, só por haver muitas empresas, o preço seja mais baixo. A lógica de administrar os preços está difundida e existem demasiadas instituições que a facilitam. O resultado é um nível médio de preços acima do que seria possível e desejável, penalizando o rendimento real e o poder de compra dos trabalhadores. O que, por sua vez, induz os sindicatos a, legitimamente, pedir aumentos dos salários acima do que poderia, e deveria, acontecer. Quem perde? As actividades mais expostas à concorrência internacional que, como todos sabem, são vitais para o país.
Precisamos de mais concorrência, a todos os níveis, para termos preços mais baixos. Se à Autoridade da Concorrência não faltam meios, como declarou o seu presidente, esperemos pelos resultados. Entretanto, o Governo poderia tentar encontrar formas de aumentar os salários reais sem ser pela via dos aumentos nominais acima da inflação que alimentam a espiral inflacionista. Por exemplo, baixando os encargos para a Segurança Social ou o IRS. Medida que, além do mais, seria particularmente bem-vinda em tempos de crise.
acastro@porto.ucp.pt