Como a decisão do Tribunal Constitucional não tem apelo, o caminho é mais estreito para o Governo. Desde logo porque se pode ler, no acordo com a troika, que a consolidação orçamental deve ser feita em 2/3 através da despesa e apenas em 1/3 através da receita. Nessa medida, qualquer aumento de impostos que venha a ser decidido implicará uma violação dessa proporcionalidade. Do lado da despesa, têm sido feitas algumas correções, mas nada que resulte numa poupança equivalente ao que representa o corte de dois meses nos salários e nas pensões de uma parte dos trabalhadores do setor público e dos reformados. Por outro lado, o resultado das privatizações em nada afetará essa conta, já que não entra no deve e haver do défice do Estado e não é crível que seja possível negociar uma redução retroativa do juro dos empréstimos que Portugal contraiu junto da União Europeia e do FMI. Quer isto dizer que se não houver um crescimento da economia, que resulte num acréscimo da receita fiscal, é difícil atingir os objetivos que estão traçados, tanto mais que a solução de alargar os despedimentos à função pública não é exequível, por múltiplas razões, e teria, na melhor das hipóteses, um resultado a longo prazo, na medida em que as indemnizações teriam de ser contabilizadas.
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Em função desta equação, em que já não restam grandes variáveis e em que as constantes são pouco animadoras, é expectável que o Governo apresente à troika, nos próximos dias, uma proposta de alteração do memorando. Precisamos de tempo, tanto mais que a conjuntura internacional é adversa, o que reduz a possibilidade de uma retoma célere da economia. Teremos, ainda assim, de dar garantias reais de que a cura de emagrecimento do Estado se irá intensificar. Considerando que a despesa primária é inamovível no que diz respeito aos custos salariais, é necessário reduzir as outras prestações sociais, e isso faz-se à custa da criação de emprego, que depende do investimento privado e, de forma menos evidente, do investimento público. Por cada desempregado que regresse ao mercado de trabalho, o Governo poupa um subsídio de desemprego e ganha uma Taxa Social Única, para além de aumentar a produtividade da economia, principalmente se esse emprego for criado no setor dos bens transacionáveis que têm, ainda, um impacto direto na balança comercial, reduzindo o nosso défice comercial e a nossa dependência futura de fontes de financiamento.
Ora, o investimento privado só pode crescer se houver fontes de liquidez. Com raríssimas exceções, as nossas empresas não têm acesso a financiamento externo, e não podem aceder diretamente aos mercados de capitais. Urge, por isso, garantir que os bancos cumprem com essa missão. Entendendo as palavras do primeiro-ministro, e admito que o Governo não queira assumir uma posição dirigista, mas também é verdade que os bancos foram recapitalizados por intervenção do Estado português. Não podem, por isso, recusar-se a cumprir com os desígnios macroeconómicos. Se Portugal tem de obedecer à troika, porque esta nos ajudou, também os bancos devem compreender que a ajuda que receberam lhes retira alguma liberdade.
Não chega, ainda assim, garantir que a pouca liquidez de que dispomos chega à nossa indústria e às nossas empresas. É preciso impedir que a nova burocracia, que tem sido criada nos últimos tempos, afogue as empresas. É lícito, e conveniente, que todo o abuso seja combatido, mas não se pode criar um sistema policial que a todos persegue, só porque o Estado não é capaz de punir o infrator. Infelizmente, o nosso sistema judicial continua a não funcionar, e é pouco previsível que essa situação se venha a alterar nos tempos mais próximos, o que é mais um fator que prejudica o justo e beneficia o pecador. Ainda assim, para criar um ambiente favorável, é essencial que o empreendedorismo que ainda resta, em condições tão adversas, não se sinta inibido nem veja, na administração do Estado, um inimigo. E, para que assim seja, é importante que não haja abusos e prepotências, principalmente dos pequenos poderes que continuam a existir.