Confissões de um militante
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O Porto foi o lugar emblemático do triunfo da "independência" nas recentes eleições autárquicas. O povo eleitor da cidade "invicta" não se limitou a derrotar e a remeter para um modesto terceiro lugar o favorito das "sondagens", Luís Filipe Menezes, candidato do principal partido da coligação que governa o país. Os portuenses derrotaram também o candidato do principal partido da oposição ao governo da cidade e ao governo de um país que agora se confronta com a maior crise social, económica e política que alguma vez sofreu, desde a instauração da democracia - em 1974 - e da constitucionalização do poder local - em 1976.
Nem sequer são pertinentes quaisquer subtilidades conceptuais em torno dos significados da palavra "independência!". É público e notório que as motivações mais diversas estiveram na origem das candidaturas independentes. Entre os independentes encontramos vitórias, derrotas e sucessos relativos. A começar pelos descontentes dos partidos que decidiram assumir uma frontal dissidência - a candidatura independente de um grupo de sociais-democratas do Marco de Canaveses, derrotados pelo candidato oficial do partido, mas também a vitória da original coligação do Funchal que derrotou Alberto João Jardim ou a vitória de Guilherme Pinto, em Matosinhos.
É evidente que cada caso transporta as suas próprias singularidades. Nem o castigo do PS que foi tábua de salvação do PSD bracarense obscurece a extensão do fenómeno. Não vejo como graduar a independência de uns relativamente a outros: perante as opções dos "diretórios" partidários, foram muitos os que entenderam não subordinar a sua intervenção cívica às alternativas ditadas pelos partidos e que decidiram proceder de acordo com a sua consciência, aceitando os riscos inerentes. Nem a circunstância de Rui Moreira ter beneficiado do apoio do CDS e de incluir entre o seus candidatos a vereadores dois membros do Executivo de Rui Rio - presidente ainda em funções mas legalmente impossibilitado de se recandidatar - desqualificam a independência de uma candidatura cujo risco foi assumido autonomamente e que exibiu, logo à partida, um significativo apoio da "sociedade civil". O que efetivamente conta para a qualificação da "independência" é apenas o facto de estes candidatos se imporem aos partidos políticos num território que lhes estava tradicionalmente reservado: a expressão do pluralismo e a promoção da alternância política, a luta pelo poder, incluindo o seu exercício e a sua fiscalização, a disputa, enfim, pela representação democrática.
Confesso a minha dificuldade em entender a exaltação ética destes gestos que não me suscitam de facto especial comoção. A independência é tão útil e apreciável, dentro como fora dos partidos. O que efetivamente é relevante neste fenómeno da "independência" é que o monopólio partidário da representação democrática enfrenta uma gravíssima crise e que além da hipótese de novas formações partidárias poderem vir a preencher este perigoso vazio, seria conveniente que alterações profundas na forma de organização e funcionamento das organizações partidárias viessem a ocorrer, sob pena de a sua descredibilização se acentuar, comprometendo o prestígio e até a sobrevivência da democracia.
Recomenda-se portanto a maior prudência na análise "nacional" do significado de resultados eleitorais que evidenciaram sobretudo o crescimento da abstenção e a emergência de novos instrumentos e novos atores políticos. E é da maior urgência tirar lições úteis para o futuro, a pensar já nas próximas eleições legislativas. Irá ganhar quem se empenhar em garantir maior transparência no governo e na vida partidária: as relações perigosas entre os interesses privados e os titulares de funções públicas, o regime de incompatibilidades dos eleitos e dos governantes, a habitualidade da prestação de contas, a escolha dos candidatos dos partidos em eleições primárias abertas aos simpatizantes. Um vasto programa, enfim, para a verdadeira reforma do estado e do sistema político. Porque o povo está farto!