Conflito e consenso, alternância e estabilidade na política
Uma democracia necessita de conflito e consenso, de alternância e estabilidade. O conflito político não garante a alternância, mas é necessário para expor as alternativas políticas.
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Mas a democracia também necessita de consensos, que garantam alguma continuidade de políticas através de diferentes ciclos políticos. O consenso não é, no entanto, garante, nem condição, de estabilidade. Há muito espaço para alternativas políticas para além de certos consensos estruturantes. E pode existir estabilidade sem existirem verdadeiros consensos, bastam acordos puramente oportunistas. Mais, a relação entre conflito e consenso está longe de ser binária. Os consensos são realmente importantes quando resultam de compromissos entre posições distintas. Quando as posições são as mesmas o consenso não traz nenhum valor acrescentado, é a mera exposição de um acordo já existente... A prática política portuguesa esta cheia de consensos implícitos, mas tem poucos compromissos estruturantes.
As eleições de 2015 e 2019 alteraram profundamente as condições que determinam estes equilíbrios na nossa democracia. Em 2015, a inversão da prática política de viabilização do Governo minoritário pelo partido mais votado alterou as condições em que o equilíbrio entre alternância e estabilidade podem ser assegurados. Escrevi-o logo nessa altura: se um dos lados da alternância política puder optar livremente entre uma viabilização do seu Governo à Esquerda ou a à Direita e o outro não, deixamos de ter alternativas. Esse lado torna-se o partido dominante do sistema gerando o risco de mexicanização do regime (o mesmo partido permanecerá eternamente no poder, ainda que variando geometricamente de maiorias, parceiros e coligações). É por isso que o PSD deve distinguir muito claramente entre a disponibilidade para compromissos, entre todos os partidos, quanto a certas reformas estruturais, de qualquer disponibilidade para viabilizar, estrutural ou casuisticamente, um Governo minoritário socialista. É isso que exige a nossa própria democracia.
Mas 2019 traz outra novidade: a fragmentação do nosso sistema político. A entrada de três novos partidos acresce ao crescimento do PAN e à perda significativa de votos, desde 1995, de todos os principais partidos da nossa democracia (PS/PSD/CDU/CDS). Não somos afinal a exceção europeia. A insatisfação com o sistema político revela-se no crescimento da abstenção, mas também nesta fragmentação política. O discurso destes novos partidos vai também ter impacto nas agendas e discurso político dos partidos tradicionais e nas dinâmicas geradoras de conflito e consenso. Qual, é o que veremos.
*Professor universitário