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Quem sou eu para te aconselhar sobre relacionamentos... Um dia, disseram-me para nunca esperar a pessoa ideal, porque o contentamento genuíno é amar as imperfeições. Não sei se contentamento é sinónimo de felicidade. Quanto a esse assunto, tenho os meus telhados de vidro. Ainda assim, quem está de fora vê com mais clareza. No auge da paixão, a gente cega-se, prejudica-se, anda espantada de amor. Mas eu sou teu amigo e quero dizer-te uma ou duas coisas.
Assim: que raio vês tu nele?
Eu sei que estiveste muito doente e morriam pessoas e frequentemente nos apaixonamos pelo médico. Apaixonamo-nos antes pelo alívio que o médico nos dá, amamos a cura. Como somos incapazes de amar um estado, perdemo-nos por quem o proporcionou.
Há uns anos, aconteceu-te um caso idêntico. Conheceste um tipo, mal tomaste um copo com ele, e, de súbito, quiseste dar-lhe o teu voto. Felizmente, tiveste discernimento suficiente para fugir quando ele começou a falar de tiros na cabeça. Mas eu até compreendo, esse era mesmo médico.
Já este, não é médico nem enfermeiro. Ouve lá, como é que te apaixonaste por um perito em logística? Achas sensual a correcta execução de um plano pré-determinado que faz chegar com eficácia remessas de vacinas do ponto A ao ponto B? Ou ter-te-ia bastado o furor da farda?
Talvez sintas falta de alguém que te conforte e repreenda. Ele apareceu, ajudou à cura, tu encantaste-te com o metro e noventa, o camuflado, e depois chegou o ardor da recusa: se caísse na tentação de estar contigo, o próprio disse que preferia uma corda para se enforcar. E eis que muda de ideias, tentadíssimo por ti, bem sondadíssimo, e sem corda ao pescoço. E tu queres ir de voto com ele...
Não te parece preocupante que alguém se ache merecedor do teu voto como recompensa por ter resolvido eficazmente um problema logístico? Lembra-te de que ele chegou a dizer que não era “nenhum Deus nem nenhum super-homem”. Trataste-o tu por meu Deus e meu Senhor, confessaste-lho nos momentos mais íntimos, ou foi ele que se endeusou, fingindo desendeusar-se?
Mereces muito mais. Chegaram a ter uma conversa substancial, falaram de interesses em comum, dos planos para o futuro? O que sabes tu verdadeiramente sobre ele? Enfim, refreia o entusiasmo e faz o que é melhor para ti. Se ele te bater à porta todo carente a pedir-te o voto, corta-lhe as vazas e diz-lhe: “Colinho dá a mãe em casa.”
*O autor escreve segundo a antiga ortografia