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E pronto: agora que é conhecido o calibre do martelo-pilão com que o Governo atingiu os contribuintes individuais e as empresas, resta-nos aguardar que os próximos dois anos de inferno (2011 é o purgatório) passem bem depressinha, para que, com as contas em ordem e a economia a despontar, as nossas vidas voltem a ser, mais ou menos, o que eram. Verdade? Mentira!
Quem teve oportunidade de ouvir, anteontem, a entrevista do nosso imperturbável ministro das Finanças à RTP deve ter percebido que a frase "chegou a hora da verdade" não foi proferida como um mero sound-byte para assustar os que ainda guardam na alma alguma esperança. Não. O que Vítor Gaspar disse traduz-se assim: chegou a hora de pagarmos a conta dos devaneios muitos e loucuras várias cometidas ao longo de anos e anos e anos... E nada será como dantes.
O tom pachorrento usado na comunicação pode ter distraído (e até adormecido) muita gente. A verdade é que talvez nunca ninguém tenha posto tão a nu o que hoje somos: um país exaurido, cansado, descontente; um país morbidamente obeso e sem vontade de combater a doença; um país que não gosta de ver-se ao espelho, porque a imagem é medonha.
A rigorosa disciplina financeira que nos foi enfiada pela goela abaixo roça o limite do aceitável (curioso o facto de ainda não termos ouvido o presidente da República repetir a frase "há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos aos portugueses", proferida nos tempos de Sócrates), é verdade. O pior é que dessa pancada não resultará um país melhor no curto prazo, ou mesmo no médio prazo. Pelo contrário: resultará um país menos competitivo, mais pobre (o desemprego afectará 750 mil pessoas já no próximo ano), mais socialmente assimétrico, mais dependente do Estado, menos culto e empreendedor (a fuga de cérebros acentuar-se-á), mais zangado e provavelmente mais violento.
Ao mesmo tempo, não é líquido que a receita permita ao Estado emagrecer para níveis consentâneos com o dinheiro disponível para sustentar. Quando Vítor Gaspar afirma, por linhas travessas, que o Estado tem cerca de 100 mil funcionários público a mais, está a dar-nos conta do mastodonte que estamos obrigados a sustentar.
A contagem decrescente começou. Para Portugal e para a União Europeia. No próximo sábado, fica a saber-se se, finalmente, os líderes em exercício encontram uma saída para o problema da Grécia (nas costas dos gregos podemos vislumbrar o nosso futuro) e para o problema do euro. Inscrevamos o dia 23 no calendário das nossas preocupações. Se correr mal, resta-nos pôr as mãos na cabeça e esperar pela próxima dose de martelo-pilão.
P.S. Nem tudo são más notícias. O Plano de Emergência Social vai contar com mais 200 milhões de euros para ajudar os mais necessitados. É preciso perguntar a Pedro Mota Soares como conseguiu dobrar o fleumático Vítor Gaspar.
P.S.2 Será que o PS continua a achar que há 0,001% de hipóteses de chumbar o Orçamento do Estado?