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A "recusa Euronews" de António Guterres em apresentar uma candidatura a Belém é o início do fim de um PS unido à volta das próximas eleições presidenciais. Guterres marcou a agenda da reunificação do PS com uma eurovisão em passo acelerado para a conquista do ceptro mundial das Nações Unidas a Ban Ki-moon. Simplesmente porque está ao seu alcance ou porque a sapiência lhe permite esperar. Depois de meses em círculo entre o "talvez avance ou talvez não", o alto-comissário dos Refugiados para as Nações Unidas acaba por fazer do PS o seu maior refém. Augusto Santos Silva admitiu que gostava de ser o primeiro a ir "raptar Guterres a Genebra" não percebendo que o sequestro foi realizado ao Largo do Rato. E é assim que, analisando todo o espectro partidário português, o único candidato que gerava consensos dentro do seu próprio partido desfaz e deixa em cacos a ilusão de unidade dentro do PS.
As próximas legislativas - porque, ainda que não pareça, as próximas eleições são legislativas e não presidenciais - definirão a limitação ou a abrangência dos consensos. Se António Costa for capaz de cumprir o que Pedro Abrunhosa faz com as canções, fazendo o que ainda não foi feito e com uma ideia clara na linha do horizonte, poderá ganhar as eleições e nomear o "seu" candidato. Mas o avanço de Sampaio da Nóvoa, a tempo de fazer o próprio caminho e de destruir a passada de outros que se perfilavam na névoa, pode não permitir a António Costa esperar até Outubro. Porque sem Guterres como Joker presidencial, com Jaime Gama em afirmativa auto-exclusão, com Carlos César a considerar o recuo, com Carvalho da Silva bem encostado à esquerda, com Mário Soares e Jorge Sampaio dando colo e massa histórica ao ex--reitor, só faltará que Ramalho Eanes afirme que o futuro presidente pode ter o perfil de Nóvoa. Aí, a neblina dissipa-se e o PS assumirá a factura. A fractura. António Guterres permitiu ao PS fazer o seu teste-ultimato às forças: poderá o partido ganhar as próximas eleições presidenciais sem usar o seu Joker?
Rui Rio teria o caminho aberto para ser o candidato da direita às presidenciais se congregasse a unanimidade no PSD como agregou a acesa crítica e a mágoa sem devolução dos agentes culturais da cidade do Porto após os seus mandatos autárquicos. Não é seguramente o caso. Mas, ainda assim, como poderá o PSD viver sem a imagem de austeridade e rigor que cultivou durante estes últimos anos senão aclamando Rio como o pêndulo presidencial? Perante a hipótese do "desconhecido" (Sampaio da Nóvoa), sem Guterres no caminho, como conseguirá o PSD apostar em "líderes volantes" como Marcelo ou Santana Lopes, tendo Rui Rio disponível e vindo de um porto que considera seguro? Ou então olhemos pelo prisma estritamente interno social-democrata. Como poderá o próximo líder do PSD (ainda que seja, ele mesmo, Passos Coelho) evitar uma disputa com Rui Rio? Elegendo-o como presidente da República, claro. Rui Rio tem a faca e a laranja na mão.
É curioso como a encruzilhada no PS é tão forte numa altura em que já deveria estar preanunciado como vencedor das próximas legislativas. Após anos de troika e com o empobrecimento do país servido em bandeja eleitoral, só um milagre ou a inépcia podem explicar que António Costa, chegado como político experiente e salvador, não tenha arrebatado o país para si e colocado Outubro no bolso por antecipação. Independentemente de saber se deu ou não o seu apoio - ainda que velado - a Sampaio da Nóvoa, é intrigante como a liderança mediática no maior partido da oposição se reparte entre um candidato a primeiro-ministro com extrema notoriedade e um candidato a presidente com enorme défice da mesma. Talvez isso explique por que António Costa resiste tanto para ganhar o país e Sampaio da Nóvoa se apresente tão cedo para que se possa dar a conhecer. Mas nada justifica que o PS apareça aturdido e tão abalado pela fuga de Guterres para o Mundo (ainda que venha parar à Gulbenkian). A única justificação terá sido o factor surpresa. Para António Guterres, como em tempos o próprio disse, "é só fazer as contas". António Guterres continua a surpreender mais facilmente o partido do que o país.