Quando compramos alguma coisa, fazemos contas. Como os recursos não são ilimitados, um euro a mais gasto num produto é um euro a menos para usar noutros fins. Quem tem menos meios é mais rigoroso nestes cálculos: compram, agora, mais carne de porco ou de frango, optam pelos produtos de marca do distribuidor e aproveitam todas as promoções e, em recurso, as dádivas. "Compro o mais barato, seja português ou não", dizia uma dona de casa, pondo a nu que a questão crítica para a agricultura portuguesa não é ter produtos à venda nas grandes superfícies mas o respectivo preço. Como a maioria dos compradores actuará, logicamente, daquela forma, se os produtos portugueses forem mais caros do que os outros, poderão ser procurados por quem se pode dar ao "luxo" de pagar algo mais para "comprar o que é nosso", o que não chegará para escoar a sua produção. São essas as regras da economia de mercado: vende-se o que tem preços competitivos e, para isso, é preciso ter custos ao nível dos nossos concorrentes.
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Todos estes cálculos e considerações caem por terra se os produtos forem gratuitos: o que vier à rede é peixe. Há, contudo, um detalhe da maior importância: mesmo o que é de graça tem um custo. Não é raro ouvir os agricultores que doam os seus produtos dizerem que o fazem, em protesto, por o preço que os intermediários pagam não chegar para cobrir o respectivo custo de produção ou, até, de armazenagem.
A generalidade dos serviços públicos tem essa característica de gratuitidade, potenciando uma procura desproporcionada. Abusar só indirectamente terá custos para o prevaricador, quando pagar os seus impostos. Com, ou sem custos para o beneficiário, a verdade é que os serviços disponibilizados têm um custo que, como qualquer outro, tem de ser pago. Quando alguém usufrui, graciosamente, da oferta de um serviço, de uma infra--estrutura ou seja do que for, há um outro que está a ser chamado a contribuir para o respectivo custo, mesmo que nunca usufrua do bem ou serviço em causa.
No caso da Administração Pública, esse problema é agravado pelo facto de, por regra, quem produz não ter um incentivo e, muito menos, a pressão do mercado, para o fazer da forma mais eficiente. Combinadas, temos aqui as condições de base para o crescimento explosivo da despesa pública. Como conjugar a necessidade de evitar desperdícios, por excesso de procura e ineficiência na oferta, com uma política pública que não se pode reger por critérios estritos de mercado é a questão que vale não um mas muitos milhões de euros e, em especial, a sobrevivência do Estado social. Tomando a área da saúde como exemplo, há casos em que o ajustamento parece óbvio (o aborto assistido ou a pílula do dia seguinte não podem ser transformados em métodos de planeamento familiar, fomentando comportamentos irresponsáveis e socialmente danosos; as ecografias durante a gravidez não podem ser ilimitadas; os utilizadores e os próprios serviços devem conhecer o custo do trabalho prestado), noutros é muito difícil (idosos; doentes crónicos).
Exemplos semelhantes poderiam ser dados para a área social, a educação, justiça, segurança ou defesa. O envolvimento dos funcionários públicos é indispensável, desde que percebam que no adjectivo está o fundamental. Os sinais recentes não são animadores: com os mais variados pretextos, as corporações instaladas no aparelho de Estado querem continuar a servir-se dele para prosseguir os seus interesses particulares. Quando assim é, as alterações têm de ser ditadas de cima para baixo o que requer um grande esforço pedagógico junto dos eleitores e contribuintes. Voltemos ao princípio: os recursos não são ilimitados. Um euro gasto a mais num produto é um euro a menos para usar noutros fins. Portugal já suporta uma carga fiscal elevada.
Mesmo redistribuída com mais equidade, o caminho não pode ser aumentá-la, mas diminuí-la, o que torna crítica a redução da despesa pública. Se não, vamos ter de fazer mais contas à vida do que quereríamos e poderíamos.