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Em 2012, considerada como um todo, a economia portuguesa não aumentou o seu endividamento perante o exterior. O que aconteceu é consabido: muitas empresas fizeram-se ao mundo, procurando compensar a retracção do mercado interno; os emigrantes, antigos ou novos, enviaram mais remessas para apoiar os que cá ficaram; a quebra do rendimento disponível das famílias e o congelamento do investimento privado e público determinaram a drástica redução das importações. Esta fórmula tem enormes fragilidades. A evolução das exportações está dependente da conjuntura económica nos países de destino. A contenção das importações não durará para sempre, quer por razões virtuosas - se o investimento retomar, muitas das máquinas e equipamentos necessários serão importadas - quer por razões menos boas - não é possível conter o consumo de bens importados, ainda que duradouros, indefinidamente. Mesmo com estas debilidades, a parte privada da economia fez o seu papel. Dificilmente se lhe poderia exigir mais: a estrutura produtiva da economia não se altera de um dia para o outro e a conquista de novos mercados leva tempo. Se considerarmos as restrições (aumento brutal da carga fiscal sobre as famílias; dificuldades em aceder ao crédito e subida impiedosa do respectivo custo para as empresas) somos tentados a admitir estarmos perante um desempenho que superou a maioria das expectativas. E, mesmo assim, o resultado foi uma quebra do PIB quase sem precedentes.
Por oposição, o sector público continuou a ter um défice de cerca de 5% do PIB (e a aumentar a sua dívida). Isso quer dizer que o resto da economia teve de gerar um excesso de receitas suficientes para cobrir essa diferença. Pode-se, e deve-se, discutir se as políticas públicas não poderiam ter sido outras com menor impacto sobre a economia e a sociedade. Por maioria de razão, devem-se discutir alternativas para o futuro próximo e a médio prazo. Por exemplo, que fazer com estas cedências que se terá conseguido arrancar à troika? Para mim, a resposta é óbvia: qualquer folga deve ser encaminhada para as empresas, para evitar o seu desaparecimento, nuns casos, e para lhes dar acrescida margem de manobra competitiva, nos outros. É a via mais consistente para a manutenção e criação de emprego. Como, também, é óbvio que, com mais ou menos jeito ou pressa, será inevitável uma redução do peso da despesa pública. Alguns dirão: o peso é função não apenas do valor absoluto da despesa mas também da riqueza criada (o tal de PIB). É verdade. Só que, nas circunstâncias actuais, não há condições para continuar a impor às famílias e empresas o esforço que lhes tem vindo a ser exigido no financiamento do Estado, encaminhando para aí recursos que, de outro modo, poderiam ter um uso mais produtivo. Além de que não é nada claro que o Estado tenha, na configuração vigente, uma relação virtuosa com o crescimento. Pode ter! Mas não este. Por acção e omissão, flutuando ao sabor dos grupos de interesse e das conveniências eleitorais, o Estado que temos é um ser disforme e disfuncional. Não vale o dinheiro que consome e, por isso, se tornou presa fácil para os que dele têm uma visão minimalista. Se nos limitarmos a desmantelá-lo, o que daí emergir poderá custar menos, mas continuará a não valer o que por ele se pagará. A sua reestruturação deveria ser objecto de um pacto de regime que definisse as áreas de consenso e estabelecesse um plano de transição que enquadrasse os sacrifícios que têm vindo (e continuarão) a ser exigidos a todos, associando-lhe metas e consequências que responsabilizassem quem fosse governo.
Irresponsável é a única maneira de adjectivar a atitude que PS e PSD têm tido quanto a este assunto. O resultado será um remedeio. Nada terá de estrutural. Uma manta de retalhos, escolhidos em função do seu impacto nas contas. Ignorando a dimensão social e o sentido das proporções. Tão disfuncional quanto antes. Feio de magro, mas um monstro ainda. Gerador de "Grilos", gigantes. Um conto de terror.