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É potente este argumento: desde 2011 (ou, se quisermos, desde que o atual Governo tomou posse), o Tribunal Constitucional (TC) caucionou 82% das medidas de austeridade que mereceram o juízo dos juízes do Palácio Ratton. Traduzido por números: 7,7 mil milhões de euros "sacados" aos portugueses foram--no com o beneplácito, digamos assim, dos zeladores da Constituição.
Parece mais ou menos evidente, portanto, que o TC está longe de ser a força de bloqueio em que o Governo o quer transformar, por mero interesse de circunstância. Vale o mesmo dizer: os juízes pensam pela sua cabeça e, para usar um verbo a que o Executivo se agarra com a mesma força que um náufrago se agarra a uma tábua, sabem contextualizar (é este o verbo) as decisões.
Um exemplo destes dias para sustentar a tese. O diploma que determina o horário de 40 horas de trabalho na Função Pública foi aprovado pelo TC, com votos parcialmente vencidos de seis dos 13 juízes. A medida passou à risca.
De modo que as acusações de ativismo atiradas a eito contra os juízes do Palácio Ratton são, para dizer o mínimo, extemporâneas. Há até quem entenda o posicionamento do TC em sentido exatamente oposto ao propalado pelo Executivo liderado por Pedro Passos Coelho. Para o professor universitário Reis Novais, "ao longo dos últimos 30 anos, o Tribunal não tem levado os direitos sociais a sério. Tem tido uma atitude muito condescendente com as medidas de austeridade".
Imagino que a vociferante sindicalista Ana Avoila e o omnipresente secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, não tenham noção do tamanho das "maldades" que os juízes do TC têm vindo a fazer aos sacrossantos direitos adquiridos. Caso contrário, já teriam seguramente montado a tenda, vastas vezes, em frente ao Palácio Ratton, para denunciar, atacar, condenar e vituperar a forma despudorada, quiçá mesmo criminosa (qualificativo que manifestamente adoram), como o TC tem tratado a classe trabalhadora.
Vistas as coisas por este prisma matemático (as contas são como o algodão: não enganam), é, à partida, estranho que o Governo insista em atirar-se, com as garras afiadas, ao TC. Não é dali, como se vê, que tem vindo o mal. Logo, não é ali que está o mal. Os portugueses já tinham percebido que os juízes entendem o alcance da expressão "interesse público" e que a colocam no eixo das suas decisões. No citado caso das 40 horas de trabalho semanal, por exemplo, foi decisivo o "grande peso valorativo" atribuído pelos juízes às medidas que "diminuam a massa salarial do setor público".
Apesar disto, o Governo continua a trabalhar na tese de que isto só correrá mal se o TC chumbar o corte nas pensões. Talvez seja altura de recordar um pensamento de Confúcio: "Antes de embarcar numa vingança, abra duas covas".