Pelo Norte, e à primeira vista, esta época natalícia (que inclui já os preparativos para o final de ano) parece mais desafogada. As câmaras (pelo menos, as das principais cidades) parecem ter investido mais em iluminações públicas, espaços comerciais temporários e de diversão coletiva. A Baixa do Porto, por exemplo, é um excelente resultado dessa convergência pública e privada. Ao significativo esforço privado de modernização e reapresentação de lojas e pequenos espaços culturais, a Câmara parece ter querido responder com um enquadramento mais robusto e mais bem distribuído. Estão bem os sinos nos Aliados, a pista de gelo da Rotunda ou o mercado junto ao Centro Português de Fotografia. Está igualmente interessante o programa de animação cultural oferecido à cidade diariamente durante mais de um mês.
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Outras cidades no Norte, de Viana a Bragança, passando por Braga ou Matosinhos, fizeram (de formas diferentes) esforço semelhante.
Este buzz de animação geral, concretizado num afluxo aparentemente maior de gente nos restaurantes e lojas, bem como em informação dispersa sobre um maior nível de reservas em hotéis (sobretudo refeições) e outros tipos de alojamento turístico, quer para o Natal, quer para o Ano Novo (refeições e alojamento), alivia um pouco a sensação de contenção coletiva a que nos habituámos pelo menos de há quatro anos a esta parte.
Parecia-me normal. Afinal, estamos a viver o primeiro Natal sem troika.
Pode ser que venha a ser verdade. No entanto, e curiosamente, a avaliar pelas intenções registadas num estudo da Deloitte (feito há 17 anos consecutivos em 17 países europeus), a realidade é, pelo menos, hesitante!
Os autores definem bem a situação: "Otimismo para o futuro. Prudência no presente". Isto para toda a Europa. Curiosamente, com especial contraste em Portugal.
Comecemos pelas coisas boas:
"A tendência de melhoria do sentimento face à situação económica do país é mais acentuada em Portugal do que na Europa. Em 2014, 72% dos portugueses avaliam como negativa a situação do país, face aos 83% de 2013 ou aos 88% de 2012."
"De realçar que se verifica em Portugal uma melhoria muito significativa das expectativas de crescimento da economia para 2015, tendo o índice evoluído de -46% registado em 2013, quanto às expectativas de evolução da economia no ano 2014, para -25% quanto às expectativas de crescimento para o ano de 2015. Este movimento de melhoria surge em contraciclo com França, Itália, Luxemburgo ou Bélgica, que manifestam um agravamento das expectativas para o ano de 2015."
"A Europa está dividida face às expectativas futuras de evolução do poder de compra, com Portugal a entrar no top 5 dos países mais otimistas. A nível do índice de expectativa da evolução do poder de compra, este ano Portugal melhora significativamente para os -3% face a -14% no ano de 2013, ou aos -44% no ano de 2012."
Ou seja, mais gente acredita que o país vai menos mal, mais gente acredita que a economia vai crescer e, aparentemente, muita gente crê que vai viver melhor.
Apesar disso:
"Em 2014 (no Natal), é previsto um gasto total de 270euro (-10,8%) por lar, repartido da seguinte forma: 126euro em presentes (-16%); 99euro em alimentação e bebidas (-5,5%) e 45euro em socialização (-5%)."
"O fator preço mantém-se como a variável crítica no momento de decisão de compra, com 75% dos portugueses a afirmarem que vão tomar em consideração o preço na decisão de compra, comparativamente com os 70% de 2013."
"A diminuição do rendimento líquido é o primeiro motivo apontado para a redução do orçamento de Natal. De registar que o motivo que mais aumenta para justificar a diminuição do orçamento de Natal é o atual nível de endividamento, que evolui de 13% de respostas, em 2013, para 24%, em 2014."
Ou seja, menos gastos, compras mais baratas e consumidores mais apertados por dívidas.
Talvez ambas as faces da moeda façam total sentido. O aumento do consumo interno precisa de expectativas favoráveis de base, mas não se consolida se for permanentemente alavancado em crédito. Por outro lado, um consumo interno titubeante obriga outras variáveis do PIB a não poderem inverter a tendência até agora prosseguida - mais exportações, menos despesa pública. Falta, claro está, a componente de investimento público multiplicador. Mas aí não seriam contas de Natal. Seria mesmo o Suave Milagre!