Parece impossível, mas quase cinquenta anos depois do 25 de Abril continuamos a ter que discutir a liberdade de expressão quase todos os dias. Desta vez, esta discussão nasceu nas cerimónias do Dia de Portugal que, como é evidente, bem dispensariam esta caricata situação.
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A polémica à volta de uns cartazes empunhados por dezenas de professores em mais uma manifestação de protesto suscita-me vários comentários e apreensões.
A primeira questão prende-se com o facto de não ter sido neste dia 10 de Junho a primeira vez que tais cartazes foram exibidos. Julgo que é bom de perceber que a rábula dos cartazes só agora ganhou foros de grande notoriedade porque as televisões difundiram imagens em direto (ou quase) das reações inopinadas de António Costa e até da sua mulher aos referidos cartazes. Como é evidente, não consigo fazer um juízo de qualquer premeditação na atitude do primeiro-ministro, mas já consigo suspeitar do seu proverbial faro político, que em cima dos acontecimentos lhe terá "sussurrado" que a situação em causa poderia ter um aproveitamento político favorável.
Os factos posteriores a essa manifestação, bem como a natureza de praticamente todas as reações conhecidas, vieram dar-lhe inteira razão. A começar desde logo pelos dois sindicatos de professores, a Fenprof e o STOP, que não só recusaram qualquer paternidade da iniciativa, como se apressaram a lamentar o sucedido criticando publicamente o mau gosto dos referidos cartazes.
Como se isto não bastasse, todo o ruído mediático à volta deste assunto também contribuiu para atenuar o impacto das reações à presença do ministro Galamba, mas sobretudo ao conteúdo da intervenção principal do presidente da República.
Julgo que a conclusão relativamente unânime é a de que os professores deram um grande tiro no pé. Mas mesmo reconhecendo o caráter insultuoso dos cartazes e a sua inadequação à luta dos professores, não faltou quem defendesse que esta atitude estaria defendida e "desculpabilizada" pela liberdade de expressão.
Se quase cinquenta anos depois do 25 de Abril ainda há quem pense que a liberdade de expressão passa por ter um primeiro-ministro legitimamente eleito com um focinho de porco e uns lápis espetados nos olhos, então ainda precisamos de outros cinquenta anos para perceber bem o que é a liberdade de expressão.
*Empresário