A despesa do Estado tem de emagrecer porque não há volta a dar aos constrangimentos que a troika nos impôs para nos emprestar dinheiro, quando já não o havia sequer para garantir os salários dos funcionários públicos para o mês seguinte. Não foi assim há tanto tempo que possamos ignorar. O que não podemos é emagrecer sem critério o Estado e muito menos torná-lo ainda mais interventivo na vida de todos nós, desequilibrando-a consoante se é, ou não, primo de alguém influente na Administração Pública e genericamente no aparelho de Estado.
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A possibilidade ontem avançada por Marcelo Rebelo de Sousa através da qual o Governo poderia esticar a lei da mobilidade de Sócrates e pagar não 50 mas 25, 20, 15 ou 10 por cento do salário de um funcionário público de cujo trabalho pudesse prescindir, sem assim quebrar o vínculo contratual, seria um expediente e não uma solução.
Como sabemos, toda a Administração Pública está sujeita à panela de pressão das eleições: sempre que o poder muda, a desconfiança sobre os funcionários públicos instalados tem sido resolvida acrescentando novos e enviando antigos para as prateleiras, algumas delas douradas.
Com o campo de manobra que Marcelo entrevê na lei de mobilidade de Sócrates para o Governo poder atenuar e contornar o chumbo pelo Tribunal Constitucional da chamada lei de requalificação da Função Pública, abre-se a porta a que haja "ganchos" sem fim no Estado para aqueles que afinal garantem o seu fim de mês no privado.
Ora, já temos um Estado demasiado de primos para lhe acrescentar desregulação que desguarneça ainda mais a responsabilidade vinculativa de ser funcionário público e permita mais opacidade na relação com o setor privado.
Todos compreendemos que a despesa pública tem de diminuir e que, no plano da troika, os privados têm feito um esforço exemplar quando comparado com o do Estado, conforme o próprio primeiro-ministro sublinhou ontem. Mas não é com expedientes que resolveremos o problema das contas públicas.
Para fazer esse emagrecimento através de soluções que não passam de desenrascanços, torna-se urgente que Paulo Portas termine o mapa da mina. Ou seja: a proposta de reforma do Estado.
Quando o vice-primeiro-ministro terminar essa tarefa, talvez saibamos finalmente qual a dimensão do nosso Estado: o que está a mais e o que está a menos.
Temos ouvido falar sobretudo do Estado a mais na formação do trabalho, ou seja, dos funcionários públicos que paga.
Falta, agora, que nos falem do Estado a mais na formação do capital, ou seja, dos empresários com quem comparte investimentos ruinosos, por exemplo nas parcerias público- -privadas.
Aí, sim, teremos conversa séria.