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Lembro-me vagamente do político austero cuja cara inteira ocupava o ecrã a falar de coisas sérias.
Marcelo falou ao povo, conforme lhe tinha sugerido Ramiro Valadão, entre 1969 e 1974, e a verdade é que o professor nunca se afastou de temas estruturantes e nunca se deixou impressionar pela espuma dos dias.
Apesar de Marcelo não ter compreendido, como JFK, qual o verdadeiro poder de uma abordagem sem intermediários, mantendo uma atitude de condescendência que lhe permitiam frases como "(...) nada de verdadeiro e que ao público interesse será escondido (...)" , sempre procurou explorar e defender o ponto de vista oficial a um nível intelectualmente desafiante. O projeto estratégico para Portugal como potência territorialmente ultramarina e politicamente una, deteve o seu pensamento e o seu raciocínio num olhar aprofundado sobre a sociedade das nações que configuravam o Mundo de então.
O exercício digital de António Costa em que apresenta "pessoalmente" aos portugueses o Orçamento do Estado para 2016, ainda que infinitamente mais fresco e mais livre, esbofeteia-nos com a realidade definhada em que nos acotovelamos.
O debate sobre o desígnio estratégico de Portugal apenas se mantém no corajoso e cristalino discurso de Adriano Moreira. Nós, os portugueses pobres, estamos condenados a discutir com o primeiro-ministro as contas do coeficiente familiar. Não é bom nem mau. É talvez até melhor do que nada mas é, ainda assim, muito pouco.
Do ponto de vista da eficácia da comunicação, os modelos equivalem-se. Nem Marcelo soube entender o papel da televisão - não consta que a sua aproximação ao povo tenha impedido o povo de o dispensar - nem os políticos portugueses de hoje, na sua generalidade, entenderam o papel das novas plataformas de comunicação em rede.
Como se disse e escreveu a propósito da primeira e segunda campanhas de Barack Obama, não chega ter mais likes ou retweets. Não chega pensar que o discurso que fazemos é diferente só porque é distribuído pelo Youtube.
É preciso compreender que se trata de construir um diálogo diferente, em que se propõe o projeto político, a validar em regime de interações interpessoais, com grande capacidade de amplificação e onde é necessário correr o risco de ceder espaço ao poder individual.
Ou seja, o desafio é fazer com que a família se construa porque se apropria da conversa. E nunca acreditar que isto pode ser substituído por um monólogo. Por mais tecnológico que seja.