Exceptuando o Governo, ainda não vi ninguém, nem mesmo os deputados da Maioria, a defender a actual proposta de orçamento para 2014. Começando pelos pressupostos de um optimismo arriscado (quer no que diz respeito à evolução das exportações ou da procura interna - investimento e consumo) até à sua estrutura concreta (insistência em cortes transversais com pouca atenção à coesão social e manutenção de uma carga fiscal que asfixia a classe média), as críticas são o denominador comum, desde os partidos da Oposição à Igreja católica, passando por instituições as mais variadas como é o caso da Sedes, do Conselho Económico e Social (CES) e do Conselho para as Finanças Públicas (CFP).
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Por mim, já o vi catalogado como uma insanidade, recorrendo a uma frase atribuída a Einstein "a maior insanidade é fazer a mesma coisa, uma e outra vez, e esperar resultados diferentes". Parece que o génio nunca terá dito tal coisa. Pensando bem, talvez até pudesse suceder sendo que, para tal, seria necessário que o Governo tivesse recuperado a credibilidade que perdeu, logo no início do mandato, por manter uma navegação à vista sem que fosse possível descortinar um sentido estratégico na sua actuação. Assim, de uma forma mais prosaica, tendo a classificá-lo como um orçamento sportinguista, feito da fé inabalável de que "para o ano é que vai ser".
Para sermos razoáveis, teremos de concluir que o Governo não tinha grande alternativa. O rumo que tinha estabelecido (ou que aceitou que o GPS troikiano lhe estabelecesse) conduzia-o a este beco sem saída. A dúvida está em saber se estão convencidos de que o orçamento poderá ser executado, ou se este é um exercício inelutável, uma pré-condição para a tal negociação do programa cautelar de que falou Pires de Lima que, como bom gestor, sabe que estas coisas não se podem guardar para o último minuto, como ficou comprovado no programa de ajustamento (como teria sido se Sócrates tivesse aceitado a sugestão de Teixeira dos Santos de o começar a preparar em Novembro de 2010?). É por aqui que, com guião de Portas ou sem guião, passa o desafio: 5 meses, talvez menos, para estabelecer um mínimo de consenso sobre o que queremos ser. Têm razão o presidente da República, o CES, a Sedes ou o CFP em continuar a bater nesta tecla, na necessidade de haver uma estratégia para os próximos 10 anos cujos eixos fundamentais sejam partilhados pelos principais partidos, pelos parceiros sociais e por outras instituições da sociedade civil, das universidades às IPSS. Com uma diferença, uma enorme diferença: o presidente tem, de uma vez por todas, que falar grosso aos partidos, colocando-os sob pressão, para o que é indispensável que partilhe com os cidadãos uma agenda que tenha aquele fim em vista.
Se nada se alterar, temos pela frente um desafio impossível de vencer. Estudos de várias entidades que acompanham a economia portuguesa mostram que, para cumprir as metas que nos comprometemos atingir em 2020, mantendo-se as actuais condições de taxas de juro e prazos, teríamos que crescer a mais de 6% ao ano e gerar excedentes primários superiores a 3%. Uma espécie de contradição nos termos, já que um conflitua, pelo menos em parte, com o outro. O que não quer dizer que se deva desistir de mudar o modelo de crescimento, aumentando o seu desempenho potencial. Ou que não haja que insistir na obtenção de ganhos de eficiência no Estado que permitam libertar cidadãos e empresas da grilheta dos impostos. Nada disso será viável se não houver um alívio das condições de financiamento, seja em termos de custo da dívida pública seja dos prazos de reembolso. Somem-se-lhes os problemas associados ao endividamento privado (o insuspeito "Economist" dixit) e temos reunidas as condições de uma tempestade perfeita em que a democracia pode ser a vítima principal. Um país com uma estratégia partilhada pode ganhar alguma margem de manobra neste oceano. Ainda assim, não tenhamos ilusões: mesmo na melhor das hipóteses, os tempos mais próximos vão continuar a ser difíceis e exigentes. Convinha que não os complicássemos.