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“Mãe, conta-me uma história da tua cabeça!” Pousei o livro e comecei a inventar. Era uma vez uma margarida que estava muito insatisfeita porque queria ser cor-de-rosa.
Frase vai, reviravolta vem e uma história saiu de rompante. Ficou feliz o petiz e adormeceu. E porque o conto precisa sempre que lhe acrescentem um ponto, por cada vez que voltava à história, mais a narrativa se enchia de detalhes e de graça. Na última vez que a contei ele disse: “outra vez a da margarida não, mãe”. Percebi que me tinha entusiasmado mais do que o ouvinte e que, para poupá-lo, estava na hora de contá-la ao papel!
Depois de refinar o texto, na inevitável tradução da oralidade para a escrita, enviei à minha editora que (com o mesmo entusiasmo) achou por bem publicar. Convidámos a Matilde Horta para ilustrar e pim pam pum estava pronto! Um livro para crianças, escrito por mim, todo ele em prosa, rosa e margarida. Quando cheguei com o livro a casa, entregue com a solenidade de um presente, o rapaz retribuiu com um sorrisinho. Quis saber se todas as crianças saberiam que a história da margarida tinha sido inventada para ele. Li a epígrafe para confirmar que sim. E depois sentámo-nos a ler, com as devidas interrupções de quem quer antecipar a história que já conhece. Admirou os desenhos e aprovou tudo. Recebi o aval do mais rigoroso dos críticos!
Já tinha feito dois discos-livros para crianças, mas este livro é diferente, por ser só livro, por ser em prosa. Descobri ao escrevê-lo que o cansaço que tenho sentido nos últimos meses (anos?) e que me faz desistir de começar novos projetos, tropeçar antes de dar os próximos passos e boicotar a projeção de planos futuros não se sente quando escrevo para a infância. Para os putos, escrevo sem filtro, sou toda ímpeto. Resgato a relação lúdica que tenho com as palavras desde antes de saber escrever e brinco. Sem perder a ironia, sem perder o brio do ofício, mas liberta. Faço falar as flores, os insetos, humanizando os diálogos com o meu sentido de humor, como se fosse eu a flor e o inseto, para fazer sorrir a criança e o adulto e (desejavelmente) a criança que mora dentro do adulto.
Desde que sou mãe que renovei os votos com a literatura para a infância. Leio todos os dias para o meu filho, encantada com a genialidade de alguns autores e ilustradores, desconsolada quando ele não escolhe os meus favoritos, entediada quando insiste em reler durante dias seguidos a mesma história. Ser mãe deu-me a oportunidade de reviver a infância e de inventar novas histórias, de aguçar o sentido de humor infantil e relembrar as canções, as lengalengas, as adivinhas que, da tradição oral, me passaram a mãe, a avó, a educadora, a professora. O meu filho obriga-me muitas vezes a parar para admirar a flor que cresce na beira do caminho, mesmo quando estou cheia de pressa. E se tudo isso não bastasse, tenho mais um livro (novinho em pétala) para lhe agradecer!

