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Bem-vindos ao mundo da transparência. Sedes de um dos dois únicos partidos de poder em Portugal foram vistoriadas sem discrição e até a casa de um antigo líder teve honras de visita judiciária, arrastando consigo televisões e restante comunicação social. A Justiça atua como se tivesse paredes de vidro, deixando contudo suspeitas de alguma opacidade quanto aos motivos dos métodos utilizados.
Vivemos todos dentro de uma torre cheia de janelas, situada no centro da sociedade. Cada um de nós é capaz de controlar os seus semelhantes e vice-versa, nem que seja pelo movimento das sombras. Esta realidade é proporcionada pelas tecnologias de comunicação, pelo acesso a fontes digitais, pela volúpia inerente aos canais de noticiários 24/7, pelos sites noticiosos, pelas rádios e, não menos importante, pelas redes sociais, onde todos falam com todos. Já dizia Umberto Eco que “a Internet transformou o idiota da aldeia num portador da verdade”.
O lado B desta realidade - que diz tanto da política quanto da Justiça - aponta para a comunicação social. O jornalismo, pressionado pelo fator “velocidade”, espelha os factos tal qual eles se apresentam, correndo assim o risco de encarnar os atributos da “Corneta do Diabo”, jornal tornado famoso por Eça de Queirós: “todo ele revelava imundície e malandrice”. É conhecida a máxima segundo a qual é mais fácil matar o mensageiro do que a mensagem.
Não deixa de ser curioso que nenhum partido tenha feito “julgamentos de tabacaria” sobre o caso PSD desta semana. Se recordarmos as suspeitas do processo Tutti Frutti, em que os cargos autárquicos em Lisboa terão sido divididos entre PS e PSD de forma combinada, então Eça foi certeiro ao caracterizar a classe política nas suas “Farpas”. A consequência, como dizia o escritor, é que “a opinião pública, marasmada pela indiferença, desabitua-se de pensar e perde o justo critério por que se julgam os homens e os factos”. Não cabe ao idiota da aldeia esclarecer o público. E o diabo não está nas cornetas.
*Editor-executivo-adjunto