Corpo do artigo
O corporativismo era uma das características do Estado Novo: fechamento e proteção dos mercados e dos poderes estatutários. As grandes empresas viviam protegidas pelo condicionamento industrial e pelo estabelecimento de quase monopólios. As ordens profissionais eram empossadas pelo Estado de poderes de fechamento dos mercados de trabalho.
O Ministério das Corporações acabou com o 25 de Abril. Porém, as corporações e o espírito corporativo cresceram, floresceram e, hoje, proliferam. Continuam a existir empresas com fraca capacidade de sobreviver em mercados abertos e competitivos e outras com práticas e tentações monopolistas protegidas por entidades reguladoras que regulam pouco. E há, hoje, muito mais ordens, algumas das quais com práticas agressivas de colocação de obstáculos no acesso de diplomados a profissões para as quais estão habilitados. E há, ainda, associações profissionais que, não tendo o estatuto de ordem, aspiram a exercer os mesmos poderes.
O caso mais caricato é o da Associação Portuguesa de Treinadores, com o apoio da Liga Portuguesa de Futebol. Num passado recente, Ruben Amorim não podia dar indicações aos jogadores durante os jogos, nem prestar declarações aos órgãos de comunicação no fim destes. Não estava qualificado para tal por não possuir o grau requerido do curso de treinador. Não estava qualificado, mas ganhou um campeonato. Hoje, João Pereira, também do Sporting, tem as mesmas limitações, pelas mesmas razões. Durante o jogo tem que dar instruções aos jogadores através do seu adjunto, que formalmente é o treinador, porque tem o certificado requerido, enquanto, também formalmente, João Pereira é que é o adjunto. Confusos?
Porém, na Liga dos Campeões Europeus, regulada pela UEFA, estes impedimentos não existem. O treinador de facto é reconhecido como o treinador de jure. Não se lhe exige certificado, reconhece-se o contrato feito. Ou seja, o corporativismo não está instalado em toda a Europa com os poderes que tem em Portugal. Este é mais um obstáculo ao reconhecimento e promoção do mérito e da competência no nosso país. Uma dose quanto baste de corporativismo, de poder profissional, até se pode justificar em áreas críticas em que estão em jogo a vida, a liberdade e a segurança dos cidadãos. É o caso dos médicos, dos advogados e dos engenheiros enquanto responsáveis e autores de projetos de estruturas. Em tudo o resto, o corporativismo é sobretudo um obstáculo ao funcionamento da economia, à liberdade dos profissionais e ao acesso destes ao emprego, bem como à valorização do mérito e da competência.

