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Durante o protesto contra as plataformas Uber e Cabify, as imagens e sons reforçam a já degradada estampa pública do sector, agora sublinhada a traços grossos pelo movimento colectivo em cólera. A simpatia que possamos ter por algumas razões atendíveis dos taxistas dificilmente resiste; esvai-se após 10 minutos de reportagem a quente, no olho do furacão. Ninguém espera que se coma de faca e garfo numa manifestação. Mas com declarações que asseguram que as leis são como meninas virgens destinadas à violação, é altamente duvidoso que possamos confiar um canário de estimação a determinados profissionais. É evidente que tomar a parte pelo todo é um enorme erro de avaliação e que a carteira profissional está longe de ser uma graduação em boas maneiras. Mas é difícil encontrar um serviço que gere (e a cada dia, reforce) tanto descontentamento nos utentes. A assimilação dessa realidade deveria ser, também ela, uma prioridade dos taxistas.
A guerra entre taxistas e plataformas é um caso clássico, feito moderno, da luta entre trabalhadores com patrões à ilharga e conveniências várias. Os trabalhadores são os próprios agentes da mudança mas, uns contra os outros, dificilmente em benefício próprio. Ainda que, neste caso, a mudança se exija. É fundamental apontar à média. Que levante o dedo quem nunca sentiu estar a fazer rally ou de caracol num táxi, sem uma condução decente. A mobilidade é um direito fundamental de cidadania. Ninguém pode conceber transportes sem qualidade e segurança mas, tantas vezes, é essa realidade que nos convidam a esquecer. Táxis "uber" alles, não. Não acima de tudo.
Os táxis não têm a propriedade da mobilidade. É urgente regulamentar, separar o que é distinto para traçar patamares de equilíbrio e equidade no que é comum; encontrar princípios, regras e obrigações semelhantes mas que não fechem os olhos às diferenças de regime que decorrem das características particulares e do interesse público do sector; será incompreensível afastar as autarquias e municípios do processo, quando são estes que definem o seu contingente de veículos. A mobilidade não é uma coisa que se possui, um objecto, uma criação do espírito: é um direito.
E são precisamente os direitos que mais importaria debater nesta precarização das relações de trabalho. Mas taxistas, "uberistas" ou "cabifys" disso nada parecem querer saber. Fecham a porta do veículo, levantam bandeiras e cobram bandeiradas sem perceber que, na lama, estão a correr contra o tempo. Viajam dentro sem olhar para fora, onde o tempo corre veloz. Levantando a bandeira do futuro, os "não caracterizados" estão tão longe do progresso como os taxistas de uma noção de equilíbrio.
* MÚSICO E ADVOGADO
O autor escreve segundo a antiga ortografia.