Corrigir injustiças no acesso ao Ensino Superior
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O acesso ao Ensino Superior assenta, há quase 30 anos, numa seriação de candidatos com base nas classificações atribuídas pelas escolas secundárias e nas notas obtidas em exames nacionais. O sistema não é perfeito. Há todo um debate sobre que competências e capacidades são efetivamente medidas pelas escolas e pelos exames e qual destas componentes deve ser mais valorizada. Por essa razão, o regime foi sofrendo ajustes ao longo dos anos com o objetivo de conferir às instituições de Ensino Superior autonomia para, dentro de margens apertadas, ponderarem o peso relativo de cada uma destas componentes da classificação e introduzirem outros critérios de seleção. Adicionalmente, foram criados regimes especiais de acesso para compensar desigualdades de partida. Neste momento, é necessário revisitar estas regras e corrigir injustiças sociais e económicas.
1. Em primeiro lugar, o problema dos exames nacionais. Depois de dois anos de pandemia, e de quase abolição dos exames, percebeu-se, quando se procurava voltar à normalidade, que se generalizou em muitos colégios e escolas secundárias um fenómeno de inflação de notas: há mesmo disciplinas em que mais de metade dos alunos têm classificação de 20 valores. Esta degradação beneficia sobretudo os estudantes de estratos sociais e económicos mais elevados, comprometendo a confiança social no próprio regime de acesso. Chegados a este ponto, os exames nacionais, com todas as suas limitações, acabam por ser a componente mais fiável, se o objetivo for introduzir mais justiça no acesso e mitigar efeitos das desigualdades escolares.
2. Em segundo lugar, o problema dos contingentes ou concursos especiais para entrada no Ensino Superior, que definem regras para situações especiais, visando corrigir injustiças. Com o que se sabe hoje, esta matéria não pode deixar de ser revisitada. Que injustiça estamos a corrigir quando ocorrem casos como a entrada de estudantes da Madeira e dos Açores com 11 ou 12 valores, em cursos como Gestão ou Psicologia, em universidades do Continente em que as notas dos últimos colocados são de 18 valores, passando à frente de mais de 1200 candidatos de outras regiões do país? Justifica-se este privilégio?
3. Finalmente, o problema da necessidade de novos contingentes especiais. Sabemos hoje que, por razões económicas e de distanciamento social e cultural, há milhares de alunos, do Continente e das Regiões Autónomas, que não têm acesso ao Ensino Superior. Esta é talvez a situação de injustiça mais crítica que necessita de medidas urgentes para ser corrigida. Esse é o desafio que o Governo tem agora de enfrentar.
*Professora universitária