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Revisitando o recente acórdão proferido no âmbito do chamado Processo Marquês, que revogou o despacho de não pronúncia do JIC, ressalta que o dissídio jurídico mais controverso e polémico entre ambos se reporta à questão de saber quando se inicia o prazo de prescrição do procedimento criminal nos crimes de corrupção activa e passiva. Ambas as decisões concluem que a consumação deste tipo de crimes ocorre no momento da promessa de vantagem e aceitação da mesma.
Porém, como o próprio acórdão em causa acentua, nos casos em que à promessa/aceitação se sucede em momento cronologicamente posterior o pagamento/recebimento, a questão relativa ao início da contagem do prazo de prescrição divide, por forma transversal, a jurisprudência e a doutrina. As decisões que ora confrontamos optaram por teses diferentes, contraditórias, sustentando-se, cada uma delas, em jurisprudência e doutrina que citam. O JIC propugnou pela tese que defende que o início do prazo de prescrição ocorre no momento do acordo corruptivo - proposta /aceitação de promessa, sem qualquer relevância para eventuais comportamentos posteriores àquele pacto - pagamento/ recebimento.
Por outro lado, o acórdão revogatório segue a tese de que o início do prazo da prescrição se conta a partir do momento do pagamento/recebimento, porquanto …cumpre dar relevância ao resultado material não compreendido no tipo, nomeadamente em sede de início de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, lê-se naquele aresto citando o prof. Figueiredo Dias. Estas posições antinómicas têm fundamental relevância para aferir da prescrição dos crimes de corrupção imputados pelo MP aos arguidos neste processo.
De acordo com a tese do despacho de não pronúncia, o procedimento criminal mostra-se já prescrito. Na esteira do acórdão revogatório, pelo contrário, não decorreu ainda tal prazo e, por isso, determinou a pronúncia daqueles. Esclarecer e fixar a jurisprudência num único sentido é, pois, essencial e necessário, para impedir situações como a aqui relatada, cujo desfecho depende de opção do MP, na fase de inquérito, e dos juízes nas fases subsequentes. Impõe-se assim ao MP que, reunidas as condições de admissibilidade, interponha, se já não o fez, recurso de fixação de jurisprudência. Até lá, imperará a tese que em cada caso concreto fizer vencimento, sempre aleatório e imprevisível.
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)