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“O justiceiro nunca é justo. A justiça é muito relativa e é utópica. Tem erros, falhas e vai até onde pode. Não podemos usar os processos como uma arma alternativa para transformar a sociedade.” Esta ideia lapidar data de 2017 e pertence a Maria José Morgado, antiga procuradora do Ministério Público (MP) que ficou famosa pela sua luta contra a corrupção. Olhando para os acontecimentos desta semana em torno da Operação Influencer desencadeada pelo MP, que aliás ditou a queda do Governo de António Costa, podemos aquilatar a assertividade de Maria José Morgado.
Quando as suspeitas se avolumam em torno de políticos e empresários, o desânimo geral dos cidadãos aumenta na mesma proporção. Após a inevitável exposição a uma torrente de notícias negativas, ficamos com a impressão de que para subir na vida é mesmo necessário ceder nos princípios éticos. Não adianta lutar de forma justa, na esperança de que vivemos todos numa sociedade meritocrática. No entanto, algo semelhante sucede quando a justiça falha ao apontar culpados que acabam inocentados. Até mesmo antes de qualquer sentença transitar em julgado, a simples desproporção de meios e medidas do MP, face aos reais indícios criminais, alimenta a teoria de que nem nos magistrados podemos confiar. Dito de outra forma, o desânimo alastra quando os potenciais culpados parecem, pelo menos aos olhos do povo, tão suspeitos quanto os acusadores da República. Os processos judiciais podem ou devem ser uma arma para mudar a sociedade?
Não deixa de ser curioso que o PS, o partido atingido pela Operação Influencer, tenha travado, em 2021, a regulação da atividade de lobista, decisão que mereceu o beneplácito do PSD. Quanto à criminalização do enriquecimento ilícito, agora ressuscitado no discurso “pós-Influencer” de Luís Montenegro, só não é uma realidade jurídica até hoje por vontade quer do PS quer do PSD.