A arte do convencimento do ser humano tem os seus quês. A miudagem avessa a sopa, farinha de pau ou óleo de fígado de bacalhau acaba por admitir a respetiva deglutição sempre e quando se lhe faz a promessa de satisfação de um qualquer desejo pessoal. A relação pais-filhos é, aliás, muito marcada por esse salutar exercício mercantilista.
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O contornar de resistências na idade adulta obedece a mesmíssimos princípios, apesar de aqui e ali de índole mais sofisticada. A capacidade de colaborar - ou não resistir - é diretamente proporcional aos mecanismos de eficácia na transmissão/receção de uma determinada mensagem. Os argumentos são essenciais; o travestir da realidade apresenta-se também, demasiadas vezes, como bom ponto de partida para quebrar teimosias. O problema, o grande problema, surge quando os ingredientes básicos do poder do convencimento se tomam por um verniz de segunda qualidade....
Na política, por exemplo, o modo como se comunica é essencial. O tratamento dado às matérias mais sensíveis contém no entanto um risco sempre e quando se perceciona o drible semântico.
O povo detesta ser tomado por parvo - e seria ótimo os senhores da política compreenderem-no nas suas múltiplas dimensões.
Por se transformarem em banalidades há casos que só deixam ficar mal quem os alimenta. O mais flagrante e vulgar de todos: a referência ao "crescimento negativo". O défice público aumenta? O PIB recua? Há incapacidade de tesouraria e falência à vista? Pois: o registo usado é o do "crescimento negativo". Cresce-se, sim - mas em retrocesso. Enfim......
Há, depois, tendências aparvalhadas para o chamado dourar da pílula. Há casos famosos, como o do último governo de Sócrates, incapaz de reconhecer o falhanço das suas estimativas (então como agora!) e capcioso na transmissão da tese de que não apresentava um orçamento retificativo mas sim um orçamento suplementar. E como batalhou então na ideia!
O ciclo chico-esperto da linguagem como método de adocicar políticas agressivas toca a todos.
Se já era previsível, chegou agora o tempo de o atual Governo ensaiar uma mensagem sofisticada a propósito da necessidade de emagrecer estruturalmente o Estado em quatro mil milhões de euros (número mítico). Atravessado nos compromissos perante a assistência internacional, os "spin doctors" (ou foi Paulo Portas?) terão aconselhado o primeiro--ministro e o seu colégio de ministros e ajudantes a deixar de usar a palavra "corte". Já reparou? De um momento para o outro a linguagem do Executivo trocou o "corte" (obrigatório) de quatro mil milhões de euros por... "poupança". Como se "poupança" fosse sinónimo e merecêssemos todos ser tomados por parvos!
Poupança é outra coisa, claro. E bom seria que o Governo nos poupasse ao seu ridículo.