Parece despropositado vir falar de liberdade, dado o conformismo aparentemente democrático e manso em vigor, quer por causa da pandemia, quer apesar dela.
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Os chefes dos dois maiores partidos, um primeiro-ministro e o outro por vezes confundido com o líder da oposição, não hesitam, respectivamente, em dar um "abanão" nas liberdades ou em trocar a "questão dos direitos" pela da "eficácia". O primeiro-ministro, entre Lisboa e Bruxelas, até foi mais longe. Se não se cumprir "espontaneamente" determinadas medidas de combate à pandemia, então elas passam a ser autoritariamente impostas pelas polícias. Sim, ele até "odeia ser autoritário", mas se tiver de ser autoritário, sê-lo-á sem qualquer estado de alma. Depois retirou a antiga jornalista Maria Elisa do jazigo para ela o entrevistar numa rede social do PS, uma coisa que ele, quando era comentador televisivo, catalogava gentilmente de "submundo". Aí, afirmou que o uso obrigatório de máscaras é mais restritivo das liberdades do que instalar "não espontaneamente" uma aplicação informática, reconhecida como ineficaz e ineficiente, nos telemóveis pessoais "inteligentes". Que me desculpem o dr. Costa a dra. Elisa, mas nas minhas coisas só entra "espontaneamente" o que eu quiser e não o que o PM acha que é obrigatório. Ainda há vida para além do dr. Costa, nomeadamente uma Constituição, um Parlamento, um PR e tribunais. Distanciamento social? Elementar. Máscara quando e onde for preciso? Com certeza. Tossir ou rir às escâncaras, sem ela, para o cotovelo? Perfeito. Lavar frequentemente as mãos? Vem da escola. No início de 2008, o sociólogo António Barreto escreveu um artigo no "Público" sobre o então primeiro-ministro e a liberdade. Doze anos depois, em refinado, levantam-se as mesmas questões com praticamente os mesmos comportamentos políticos de então. Costa "não suporta a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado". Porém, "temos de reconhecer: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo". Não creio que seja nenhum deles. É algo mais profundo. Os portugueses nunca foram muito amigos das liberdades públicas. E há sempre quem se aproveite dessa fraqueza.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
Jurista