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As sondagens são apenas retratos de um momento. E a que hoje se publica no JN não escapa a essa (des)consideração. Mas isso não significa que se olhe para os resultados com desconfiança. Também pela metodologia seguida - inquérito presencial em freguesias-tipo -, são um instrumento credível. Mais do que pelos resultados de uma eventual eleição, pelas lições políticas para o futuro. Sobretudo para dois líderes e partidos:
1. António Costa não terá estado de graça. A maioria dos portugueses olha para as eleições legislativas como uma escolha para primeiro-ministro, ainda que não seja essa nem a letra, nem o espírito da lei. E é isso que justifica que 52% respondam que Passos Coelho deveria ter continuado na cadeira de primeiro-ministro. Caucionam, assim, parte do argumentário da Direita no período pós-eleitoral. Parte, não todo. Não colhe, como se confirma, o argumento ultramontano de que o líder do PS é um "golpista". Porque são muitos mais os que, confrontados já não apenas com os resultados das eleições, mas também com a composição do Parlamento (maioria de Esquerda), consideram boa a solução de indigitar Costa para primeiro-ministro. São mais, pelo menos, do que os que rejeitam essa solução. Fica ainda desfeito o mito, tão repetido, de que os eleitores socialistas não votaram no PS "para isto" (assumir um Governo apoiado pelo BE e pelo PCP). E fica desfeito por duas vias: porque uma maioria esmagadora dos eleitores socialistas quer mesmo esta solução (são mais entusiastas do que os eleitores do Bloco ou da CDU); e porque há mais gente disponível para votar no PS do que em outubro (como há mais gente disponível para votar no conjunto dos partidos da Esquerda agora, do que há dois meses).
2. Jerónimo de Sousa não lidera um partido unanimista. E, ao escancarar a porta a um Governo liderado pelo PS, correu até o risco de alienar uma parte do seu eleitorado, o mais fiel em Portugal. A prudência que sempre caracterizou a prestação do PCP ao longo das negociações e a sua recusa em passar cheques em branco ficam mais do que justificadas com esta sondagem. É verdade que uma grande maioria dos comunistas apoia a solução que o Comité Central votou por unanimidade. Mas a surpresa aqui é que o apoio não seja maior. São os eleitores do PCP os menos entusiasmados com a escolha de Costa para líder do Governo e deixam isso vincado em dois números: 33% não aceitam que seja a melhor solução; 28% chegam ao ponto de dizer que o PS deveria ter viabilizado, isso sim, um Governo PSD/CDS, "a bem do país". Resumindo, convém não sonhar acordado com um idílio da Esquerda. Há pedras no sapato que não vão desaparecer.