Deve haver poucos políticos na Europa com uma capacidade tão grande de adaptação às circunstâncias como a demonstrada nos últimos anos por António Costa.
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O primeiro-ministro é capaz de acordar com Deus e deitar-se com o Diabo exibindo o mesmo sorriso confiante e inabalável. Onde muitos veem um talento natural na difícil arte da sobrevivência política, outros identificam apenas uma prova de que o pragmatismo ainda é o melhor salvo-conduto de um líder. Estou com os segundos. Os estados de alma não decidem.
O PS, que hoje começa a discutir com o BE e o PCP os contornos de um entendimento no âmbito do Orçamento do Estado do próximo ano, já não está amarrado ao passado da geringonça, mas continua refém de um futuro próximo que ameaça ser desastroso para a economia do país e para a vida de uma fatia considerável dos portugueses. Costa não quer alimentar o "romance" com o PSD, partido que, sublinha, "não tem peste", mas sabe que tem em Rui Rio um opositor que apenas ocasionalmente mostra as garras. Pode, por isso e para já, fazer tímidas juras de amor aos partidos de Esquerda, uma vez que o espírito patriótico de Rui Rio (sem ironias) acabará por prevalecer caso haja necessidade de manobrar algumas peças no tabuleiro partidário.
A maior fragilidade do primeiro-ministro (o contexto económico tenebroso) é também o seu maior trunfo. O país precisa de alternativas e de espírito crítico, mas não carece definitivamente de uma crise. O regresso do fantasma do Bloco Central agitado pela Esquerda dá certamente bons títulos de jornal, mas apenas isso. É uma discussão bizantina. Porque, na verdade, ele já existe. E não são dois partidos. São dois homens: António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. A estabilidade conjuntural do país está diretamente ligada à longevidade política de ambos. Amparado pelo presidente da República, Costa fará o que Costa faz sempre: negociará com quem for preciso para ganhar.
*Diretor-adjunto