Grandes obras públicas, sim, mas só com a aprovação de dois terços dos deputados da Assembleia da República e, depois, com a fiscalização de magistrados do Ministério Público na fase de negociação e contratação. É provavelmente a mais significativa das novidades do programa eleitoral que ontem António Costa apresentou aos portugueses.
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Em primeiro lugar porque, não aparentando benefício imediato para o potencial eleitor (ao contrário de outras promessas populares mas incertas, como a de dar médico de família a quase toda a gente, numa espécie de milagre de multiplicação de médicos, ou reduzir a taxa de desemprego para metade), terá repercussões, a prazo, no bolso dos contribuintes. Segundo, porque a proposta confirma aquela suspeita generalizada de que a maior parte das grandes empreitadas são marcadas pelo desperdício de dinheiros públicos, por um lado, e terreno fértil para a troca de favores pessoais, tráfico de influências e corrupção, por outro. Terceiro, porque marca dessa forma uma clara linha de separação entre o PS atual e o PS que foi liderado por José Sócrates. O secretário-geral socialista não fez qualquer referência direta ao seu antigo chefe, mas nem por isso o repúdio relativamente aos métodos do passado é menos evidente.
Quando António Costa justifica a proposta com a necessidade de "evitar o arbítrio, a inconsistência, o despesismo e a indecisão permanente", estará menos a pensar nas práticas do Governo atual (que não lançou nenhuma grande obra pública), e mais nas de governos anteriores. E a memória dos cidadãos para onde aponta é para o "arbítrio" de construir autoestradas sem portagens (scut), e também sem custos para quem as utiliza, mas com custos brutais para todos os contribuintes e benefícios fabulosos para empreiteiros e bancos; para a "inconsistência" de avançar com um luxuoso plano de recuperação de escolas, que deixa outras tantas ainda mais degradadas pelo caminho, gerando uma desigualdade insuportável; para o "despesismo" de construir uma terceira autoestrada a ligar o Porto e Lisboa, cujos troços que chegaram a ser concluídos não têm automóveis; e para a "indecisão permanente" sobre a necessidade de fazer um novo aeroporto de Lisboa, umas vezes na Ota, outras em Alcochete, outras em parte nenhuma, para se concluir que afinal a Portela chega e sobra. Tudo obra de Sócrates.
Se a intenção desta proposta não é a de o filho (Costa) matar o pai (Sócrates), pelo menos parece. E ajudará a liquidar um dos argumentos centrais da coligação PSD/CDS, que é precisamente o risco do regresso a um passado de desperdício, despesismo e consequente bancarrota que só um irresponsável desejaria.
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