CP a gozar com quem trabalha
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Experimentem apanhar um comboio Alfa Pendular em Coimbra, com direção a Lisboa. A possibilidade do horário de partida não ser respeitado é grande, mas cumprir o da chegada é missão praticamente impossível, já que a taxa de pontualidade no “longo curso” da CP é de inacreditáveis 44%. Foi esta a conclusão a que chegou a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, num relatório publicado no final de dezembro sobre a evolução do mercado ferroviário nacional, entre 2020 e 2022.
De resto, a CP piorou em todos os patamares de serviço ao longo dos últimos anos e não apenas no critério da pontualidade. Por exemplo, o número de comboios suprimidos na rede de suburbanos do Porto foi, em 2022, 10 vezes superior ao registo de 2019. Em Lisboa, foi quase três vezes mais. E no segmento regional, o valor mais do que duplicou.
Face à quantidade absolutamente anormal de supressões que ocorreram em 2023 - estima-se que mais de 30 mil comboios ficaram por circular - não custa a acreditar que estes resultados sejam ainda piores no próximo relatório, colocando definitivamente Portugal na cauda da Europa em termos de qualidade de serviço no transporte ferroviário de passageiros. Se, já em 2019, com 82,2% de pontualidade global, éramos o pior país europeu de um total de 16 analisados, imagine-se com este desempenho.
Entretanto, para a CP está tudo mais ou menos na mesma. O monopólio quase absoluto no transporte de passageiros está garantido, a concorrência no longo curso permanece adiada, pelo menos até 2029, e o lóbi sindicalista vai somando protestos, tendo impedido a circulação regular em praticamente um terço do ano passado. Os clientes, à falta de melhor serviço, vão enchendo os autocarros dos operadores privados.
Perante este desastre, a administração fez saber esta semana que reconhece “alterações nos índices de pontualidade (sic)”, mas a culpa não é da empresa. É das greves e das obras, que estão a cargo da IP e são “temporariamente impactantes”. Só faltou à CP assinalar, como lembrou o ex-ministro das Infraestruturas, que deu lucro, mesmo que à custa das injeções massivas de capital feitas pelo Estado. Se isto não é gozar com quem trabalha, não sei o que seja.