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O fim (formal) do programa de assistência a Portugal está a gerar um imenso foguetório. Não é apenas o Governo a tentar apanhar as canas; multiplicam-se as gabarolices e idêntica captura por parte de dirigentes da Comissão Europeia e mandachuvas dos principais estados-membros. Não faltam, enfim, os protagonistas a reclamar o mérito e a paternidade do regresso de Portugal aos mercados sem rede a partir de 17 de maio. O anúncio de "saída limpa" realizado domingo pelo chefe do Governo português, Passos Coelho, continha elogios à resistência e capacidade de sofrimento dos portugueses nos últimos três anos, mas, não obstante a mensagem estar bem engendrada para tentar fazer chorar até as pedras da calçada, outros vários poderes reivindicam virtudes na decisão.
Como exercício de cinismo, não seria de esperar melhor.
Do mesmo modo que não é negligenciável o facto de Portugal ter escapado a um segundo resgate, a reentrada sem condicionalismos nos mercados é bem mais do que uma opção nacional; era a única alternativa em cima da mesa na atual fase da vida da Zona Euro. Em vésperas de eleições europeias, desajustada seria qualquer tentativa de alguns governantes europeus levarem aos parlamentos uma espécie de fiança de uma linha cautelar. Já fora assim com a Irlanda e não se via como para Portugal seria diferente. A decisão, aliás, contradita em absoluto as preferências manifestadas por múltiplos responsáveis pela vida nacional, a começar pelo presidente da República......
Fiquemos, então, pela realidade: não havia alternativa ao lançar do país - debilitado - para a selva em que há muito se transformaram os mercados internacionais. As promessas de auxílio em caso de se aliarem tempestades a apetites vorazes não eliminam os riscos de recidiva. E obrigam à continuidade de políticas austeras.
Em vez da intoxicação resultante de muita propaganda, os portugueses merecem ser confrontados com a verdade.
O término do programa de assistência financeira não afasta os credores, naturalmente preocupados em garantir condições de serem ressarcidos.
Atado à necessidade de cumprir metas no âmbito da Zona Euro, decorrentes de um Tratado Orçamental assinado pelos partidos do chamado arco da governação, é irresponsável a venda ao país da teoria do fim dos sacrifícios. O número dos incautos disponíveis para acreditar na promessa de facilidades é cada vez menor....
A partir de 17 de maio, nada de muito diferente está reservado à vida dos portugueses. Retirando o aumento dos riscos de turbulência para o financiamento do país, só mesmo o "policiamento" presencial do FMI muda de ritmo. Em vez de aterrarem em Lisboa a cada três meses, os técnicos passam a fazê-lo de seis em seis.