Passos Coelho já devia ter percebido que se há assunto sensível, mediática e socialmente, esse é o desemprego. Quando ameaça atingir os 20% e, entre os jovens, supera já os 35%, dar azo à sua filosofia liberal sobre o assunto é politicamente insensato e socialmente insensível.
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A reincidência, em tão curto espaço de tempo, faz temer que seja reveladora da ausência de ideias sobre como lidar com o problema ou, o que virá a dar ao mesmo, sobre o real impacto que o mesmo está a ter, num espectro que não deixa nenhum escalão etário ou região de fora. Repito: as pessoas esperam do Governo garantias de que os mais desprotegidos e carenciados não serão abandonados na sua desdita e de que "solidariedade" continua a fazer parte não apenas do léxico mas também da prática do Executivo. Sem esse mínimo de coesão, corremos o risco de entrar numa espiral de empobrecimento, em que a austeridade redundará na contestação destrutiva e no depauperamento como tem vindo, e ameaça continuar, a acontecer na Grécia.
Com o essencial dito e redito, justifica-se tentar pensar alternativas. De uma maneira ou de outra, "crescimento" passou a ser a palavra do momento na Europa. A experiência com as políticas, se assim lhes podemos chamar, destes últimos quatro ou cinco anos recomenda, porém, prudência e rigor, evitando os imediatismos mais ideológicos do que lógicos que nos conduziram a este beco sem aparente saída.
É evidente que sem crescimento não haverá maneira de se controlar a dívida, pública e privada. Um crescimento anémico também não chega. Antes, porém, de se avançar com propostas, convém fazer algumas clarificações preliminares. A primeira é que, nos países mais endividados, chamem-lhe austeridade ou outra coisa qualquer, a racionalização na despesa pública e privada tem de continuar. É um equívoco voltar a pensar em gastar com base no crédito, como se dever muito fosse sinónimo de sermos ricos. Cada euro mal gasto é um euro gasto a mais. Não gera crescimento, apenas encargos futuros.
Nesses países, as reformas têm de acontecer com prioridades claras e sem ilusões quanto ao impacto imediato de muitas das medidas. Os organismos internacionais priorizam a flexibilização do mercado de trabalho. Com os actuais níveis de desemprego, lá como cá, se não se souber gerir os tempos, está-se a transferir problemas para cima da Segurança Social, a cavar um problema orçamental e, pior, a alimentar um potencial barril de pólvora. Entre nós, a reforma da Justiça, que deveria ser a primeira prioridade, tem de ser ultimada, tornando os tribunais mais céleres e mais baratos. Um sistema de Justiça eficaz é condição para uma sociedade mais livre, em que o Estado não tenha a pretensão de tudo prever e prescrever numa legislação massiva, maçuda e má, muitas vezes redundante quando não contraditória. Em paralelo, é imperioso que se faça a reforma do aparelho administrativo público. Um Estado eficiente tem de atrair e reter os melhores, pagando-lhes adequadamente e estabelecendo os incentivos diferenciadores adequados, o que não se compadece com cortes cegos e universais, ditados por uma lógica contabilística de curto prazo, cujos efeitos perversos levará anos a corrigir.
Na Europa alguns sinais vão na direcção certa. Para os países devedores, é importante que o Banco Central Europeu (e a Alemanha) aceite uma inflação acima dos 2% (4 a 5% é o valor de que se fala). Taxas de juro reais negativas aliviam os países devedores, dão-lhes margem para ajustar preços e salários reais, e estimulam os que detêm activos a consumir e investir, compensando a quebra da procura dos primeiros. A pressão espanhola para uma redefinição dos prazos de ajustamento orçamental é, num outro plano, também crucial. A Europa tem-se preocupado demasiado com o curto prazo e o formal, crismando de "consolidação" expedientes não raras vezes transitórios. Para o poder ser, a consolidação precisa de ser viável e consistente. O presente não pode, por excesso ou defeito, hipotecar o futuro. Voltarei ao assunto.
O autor escreve segundo a antiga ortografia