Quem tendo estado ausente do país tenha regressado a Portugal no último fim de semana dirá que em Portugal se operou um milagre. Não só económico, mas também anímico. Se essa ausência vem desde o final do primeiro semestre do ano passado, então essa pessoa pensará que, por engano, aterrou no país errado.
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A profusão de notícias sobre o congresso do PSD e a desenvolvida cobertura televisiva que dele se fez, tornou impossível a um cidadão normal não ver tudo o que se passou no Coliseu dos Recreios. A festa, os holofotes, os sorrisos, até a euforia que em certos momentos se viveu, fazem um brutal contraste com o país cabisbaixo, deprimido, sem chama, que tínhamos em meados do ano passado. Quando há pouco mais de seis meses assistimos a demissões no Governo com estrondo, a roturas profundas na coligação que nos rege por sérias discordâncias no rumo para que estava a levar-se o país e agora vemos as juras de amor eterno entre os mesmos parceiros, com os mesmos protagonistas a subscreverem listas conjuntas, é difícil acreditar que se trata do mesmo Portugal. Só pode ser outro.
Os indicadores positivos de uma recuperação económica ainda ténue e pouco segura, depressa foram interiorizados como sinais inequívocos e sem regresso de uma economia já robusta. Ao discurso puro e duro da austeridade a todo o preço sucede um outro, menos radical, que já permite brechas em que se deixa antever uma possível descida de impostos. A ideia de que o país está melhor, mesmo que as pessoas o não sintam, fez caminho no congresso. Da inequívoca derrota em próximos atos eleitorais já se evoluiu para a análise dos estragos que os resultados das europeias produzirão no interior do maior partido da Oposição.
Nos ex-líderes, já não há críticos. Mesmo que os tenhamos visto e ouvido, semanas atrás, na prática vodu de espetarem agulhas no corpo das suas vítimas governativas durante os habituais comentários políticos, isso foi por certo ilusão nossa. As imagens que saíram do conclave social-democrata demonstram exatamente o contrário - afinal tudo vai bem. Mesmo que a moção de estratégia global de Pedro Passos Coelho, aprovada neste congresso, procurasse definir como perfil de um possível candidato presidencial alguém que não poderia tornar-se numa "...espécie de protagonista catalisador de qualquer conjunto de contra poderes ou num cata-vento de opiniões erráticas...", há que lavar a face, sem ressentimentos.
Houve festa, luz, empolgamento, como convém em período pré-eleitoral. E ilusão, durante uns dias.
Só que, ainda se arrumavam as cadeiras do Coliseu e já o desmancha-prazeres do comissário europeu Olli Rehn vinha, uma vez mais, chamar-nos à terra, agora com a divulgação das previsões de inverno da UE. Apesar dos sinais positivos de que se reclama o Governo, a despeito de se declarar que o país está melhor, pese embora a retoma que nos enche de orgulho, Portugal regride e passa a ser o nono país mais pobre dos 28 da União Europeia. A riqueza média de cada português diminuiu face à média comunitária. Vamos continuar a ficar em 2014, ainda mais longe do nível médio de rendimento por habitante dos nossos parceiros europeus. E, avisa o comissário, estão aí medidas de austeridade de 3900 milhões de euros para este ano, a maioria das quais "permanentes e de redução de despesa".
Simultaneamente anunciou o Ministério das Finanças que a receita do IRS aumentou em janeiro 24%. Significa isto que o emprego e o nível das remunerações aumentaram nesta proporção? Não, o saldo entre empregos criados e extintos não é significativo. Significa, isso sim, que os mesmos de sempre pagam mais.
Tudo ponderado e tendo em conta os "bons sinais" prevê-se que a economia portuguesa cresça este ano 0,8%. Contudo, a média na Zona Euro será de 1,2%. Ou seja, vamos crescer, mas menos que a média, o que significa ficarmos ainda mais longe do padrão europeu de riqueza. É assim como darmos um passo à frente e dois para trás. Com realismo, bem pode dizer-se que afinal vamos crescer para baixo.
P.S.: Por razões profissionais vejo-me obrigado a interromper esta colaboração semanal, que mantive ininterruptamente durante 18 meses. Ao JN, que me abriu as suas páginas sem qualquer constrangimento, o meu muito obrigado. Aos muitos leitores que se deram ao trabalho de semanalmente me enviarem os seus comentários, os meus agradecimentos. E, a todos, um até sempre.