E se de repente um estranho lhe oferecer 190 milhões de euros? Eu ficava de pé atrás... Aconteceu esta semana a um apostador inglês. Foi o único totalista do Euromilhões e levou para casa o equivalente a seis épocas de Ronaldo na Juventus. OK, foi um mau exemplo. Queria agigantar a coisa e acabei por torná-la pouco impressionante.
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Deixem-me reformular: no Reino Unido o salário mínimo é de 9,37€ por hora, portanto seriam precisas 20 277 481 horas de trabalho árduo (ou até trabalho mandrião) para conseguir juntar essas moedas todas num mealheiro.
Podemos seguir, agora que já estamos cientes da proporção desta maquia, e que perdi trinta minutos a fazer contas e a perceber quantos zeros leva cento e noventa milhões, desculpe professora Zita, tinha razão, a matemática ainda havia de me fazer falta, devia ter estado mais atenta, mas estava ocupada a tratar do meu Tamagotchi e a perguntar à Mafalda se me cedia metade do bolo de arroz do lanche, em vez de me concentrar naqueles exercícios cujo enunciado metia sempre o Manelinho e subtração de rebuçados, um tipo de guloseima que nunca me chamou a atenção...
Já não é a primeira vez que um britânico recebe esta brutalidade de dinheiro. Aliás, dos onze maiores prémios do Euromilhões até hoje, seis foram parar ao Reino Unido. Conclui-se assim que os britânicos têm azar ao amor. E aos referendos sobre o Brexit também.
Mas antes que comece a procurar bilhetes de avião para Londres (seguindo a mesma lógica daqueles jogadores viciados que procuram sempre a mesma máquina no casino "porque dá sorte", apesar dessa sorte já lhes ter consumido vários meses de salário), espere um pouco. Deixe-me (tentar) chamá-lo à razão.
Ganhar o Euromilhões é sobrevalorizado. Nunca experimentei mas acho que não deve ser assim tão bom. No fundo é a mesma opinião que tenho sobre a droga.
Sonhar com aquilo que faríamos caso nos saísse o prémio é melhor do que recebê-lo. Não há registo de casais que tenham acabado em tribunal a discutir os planos que tinham para a fortuna que hipoteticamente ganhariam. "Senhor juiz, o meu marido quis fugir com os projetos que tínhamos para o bungalow que havíamos de construir na Polinésia Francesa!".
"Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades", já dizia o outro (seja ele o Tio Ben, ou o Voltaire, ou até Fernando Pessoa, logo depois de ter inventado aquela do "pedras no caminho") e a muito dinheiro corresponde enorme propensão para chatices graves.
Não jogo no Euromilhões porque, com o meu azar, ainda o ganhava, e tenho noção que não estou habilitada para gerir uma fortuna.
Sempre que é anunciado um novo multimilionário fico triste. "Olha, que pena, faziam um casal tão bonito... Mais dois meses e separam-se, depois da mulher amolgar a chapa do Bentley que o marido comprou para fazer companhia ao Rolls Royce".
Contam-se pelos dedos de uma mão as histórias de euromilionários que terminam em "foram felizes para sempre". As narrativas dos milionários da Santa Casa não se parecem em nada com os contos das princesas da Disney. Bom, a não ser no guarda-roupa, porque há uma certa tendência para abusar no cetim da vestimenta.
Sonhar com a taluda é relaxante: "comprávamos uma casa no campo, dávamos a volta ao Mundo (tirando o Paquistão e o Ruanda, que prefiro saltar) e oferecíamos àquela tia muito chata uma casa muito longe".
Receber de facto o grande prémio faz subir a tensão a níveis potencialmente fatais. Deixa de ser uma brincadeira engraçada e transforma-se numa incumbência pesada.
Ser totalista do Euromilhões é como ter de ir jantar com o nosso maior ídolo. A probabilidade de nos desiludirmos é enorme. O mais certo é que aquele ator de Hollywood que nos habituámos a ver no cinema, esbanjando charme, seja na verdade um cretino. Prefiro a ideia romântica do que a realização, porque a imaginação não tem por onde falhar. A fantasia mais comum dos apostadores é "segunda-feira já não venho trabalhar!". O que eles não sabem é que terça iam ter saudades das conversas com os colegas, junto à máquina do café, a congeminar o que fariam no dia em que lhes saísse a sorte grande.
Humorista