Ser diferente ou pertencer a uma minoria é quase sempre mau para quem a ela pertence. Há, é verdade, exceções, em que a minoria esmaga e domina a maioria - veja-se o caso do apartheid na África do Sul. Mas, quase sempre, a regra é a primeira que enunciei. No caso dos ciganos (prefiro designá-los como rom), mais se confirma.
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Os rom têm uma história muito antiga, associada a uma condição nómada que, hoje em dia, tem vindo a ser substituída gradualmente por uma opção sedentária. Têm também uma história muito antiga de estigma e de ostracismo. Temidos, tidos como ladrões, tidos como violentos, temidos porque ainda hoje muitos de entre eles recusam a assimilação. Quer dizer, recusam deixar de ser aquilo que são.
Na minha infância, acontecesse portar-me mal, e era crónico: ou alguém ameaçava chamar o polícia, ou alguém ameaçava chamar a cigana. A cigana, sim. Porque se inculcava a ideia de que esta, por definição estranha e má naquelas vestes negras e altivas, "roubava" as crianças, tirava-as às suas famílias e levava-as consigo, nas suas infindáveis deambulações territoriais.
Até expressões coloquiais acompanham este medo, às vezes raiva surda, contra o diferente: ainda hoje, dizer-se de alguém que é "um cigano" não constitui, evidentemente, elogio, e o mesmo quando se menciona "aquela ciganagem" ou se fala de uma "ciganada".
Vem tudo isto a propósito da notícia de que a Suécia acaba de reconhecer, num "Livro Branco", que durante o último século atuou de forma incansável na perseguição dos rom. Que os impediu de entrar no país, mesmo quando eles, desesperados, tentavam fugir das garras nazis; que, quando os tinha entre si, tudo fez para lhes tornar a vida insuportável e os obrigar, como diz o povo, a desamparar a loja. Ou, ainda pior, que os tentou eliminar. Entre 1934 e 1974, conta o tal "Livro Branco", e de forma sistemática, as mulheres rom foram forçadas à esterilização ou ao aborto. E o mesmo documento diz-nos que um quarto das famílias rom tem registo de um dos seus membros, pelo menos, ter a tal sido sujeito. E tudo, tudo isto, em nome do "interesse das políticas de população".
Os rom eram portanto (e não são ainda?) considerados como incapazes sociais, que cabia afastar como pestíferos, porque perturbavam a boa harmonia social.
Se falarmos em Hitler, se falarmos na Alemanha nazi, até somos capazes de "compreender" (salvo seja) os seiscentos mil roms que se calcula terem sido mortos nesse período. Afinal, de um mal absoluto só se espera um absoluto mal. Mas já temos muito maior dificuldade em "compreender" que até em países com longa tradição cívica e democrática políticas públicas de discriminação ou perseguição sistemática de grupos (étnicos ou de outra natureza) sejam ou tenham sido ainda recentemente possíveis.
Daí, também, a força e o impacto deste "reconhecimento" sueco, deste mea culpa que, repito, é muito pouco habitual.
É verdade que, presos atrás das grades dos preconceitos, muitos ficariam estupefactos se tivessem uma noção, mesmo que básica, sobre a importância da cultura rom na cultura europeia e a influência que sobre esta exerceu. Os andaluzes, por exemplo, bem o sabem, da música à dança e, em geral, relativamente ao seu património cultural.
Não se pense, porém, que já só estou a falar do "antes", e que só na Suécia é que estes factos ocorreram. Por toda esta Europa tão livre, tão a favor de uma cultura dos direitos humanos e tão higiénica, foram e continuam os roms a ser tidos, quase sempre, como excrescências sociais ou, pelo menos, como pessoas que têm de ser assimiladas, a bem ou a mal. Na Eslováquia, na Hungria e na Roménia, multiplicam-se as nuvens negras sobre aqueles que são diferentes, as medidas administrativas repressivas, a discriminação, hostilidade e propaganda oficiais contra os rom. E, lendo-se algumas decisões recentes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que envolvem a violação de direitos dos rom, compreende-se a dimensão deste cancro que está outra vez a alastrar.
Mas, não nos preocupemos com coisas menores como estas. Afinal, somos todos democracias, não é?