Pedro Mota Soares, ministro da Segurança Social, no JN de domingo: "Quero deixar claro que só 1% dos pensionistas é que terá corte total nos subsídios". Um por cento. Ou seja, 99% dos pensionistas recebem menos de mil euros por mês e não ficarão sem a totalidade dos subsídios de Natal e de férias. Pergunta-se: de que pobreza e falta de "equidade" Cavaco Silva, António José Seguro, o cardeal patriarca de Lisboa e Rui Rio andam realmente a falar?
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Equidade 1: os pensionistas. Não são afinal os "muito muito pobres" que serão vítimas do Governo ou da Troika em 2012 e 2013. Até 485 euros não há cortes de subsídios - recebem 485+485. A partir, por exemplo, dos 600 euros brutos, em vez de 1200 euros (600 de pensão+600 de subsídio) recebem apenas 600 pensão+377 subsídio=977. E os de 800 terão 800+188=988. Dos 1000 euros em diante ficam só com a pensão (1000+0, ou 3000+0, etc...). É injusto? É estupidamente injusto, como quase tudo neste momento. Mas protegeram-se os "muito muito pobres"? Sim.
Basta olhar para as contas públicas, e juntar a isso a demografia, para se perceber que o presidente da República e António José Seguro deveriam ser francos: quando voltará a haver dinheiro para subsídios de férias e Natal dos pensionistas? Ninguém faz ideia. É preciso ser-se claríssimo quanto a este ponto. Mas não. As declarações do presidente da República sobre este assunto estão ao nível das decisões da década de 90, de Cavaco Silva, primeiro-ministro, quando inventou as promoções automáticas na Função Pública e deu vida ao que designou, ele próprio, anos mais tarde, por "monstro". As novas gerações lembrar-se-ão dele e da sua "equidade" quando, daqui a uma década ou duas, tiverem acesso a uma pensão indigente. Ou nenhuma.
Equidade 2: os funcionários públicos. Equidade para Seguro ou Cavaco parece ser o corte de um subsídio a todos os trabalhadores, em vez de dois subsídios aos funcionários públicos. (Alguém acredita que há mil milhões a mais no Orçamento e não é preciso cortar um deles, como acha Seguro?). Rui Rio, por seu lado, não parece acentuar tanto a questão dos subsídios mas quer cortar "progressivamente em função da riqueza". Ou seja, aumentar mais os impostos. Uma premissa muito na moda: o Estado nacionaliza rendimentos de forma galopante. Legitimamente. Mais receita em vez de ajustar a despesa. Argumento: os "muito pobres".
Seria interessante fazer-se a estatística junto das 140 mil famílias que deixaram de pagar a casa aos bancos e ver quantas delas pertencem a funcionários públicos. Só assim se teria consciência da desigual fragilidade na sociedade portuguesa entre os que estão fora ou dentro do Estado, por muito mal remunerados que sejam os funcionários públicos. (Sim, eu sei, é sempre absurdo comparar misérias. Mas ainda é mais difícil inventar riqueza.)
Entretanto, os desempregados de longa duração - esmagadoramente gente da economia privada - tendem a ter rendimento zero, já hoje... Equidade? Mais: há 13% de desempregados no país. Bastaria reduzir os salários em 13% a todos e arranjava-se 13% de emprego, acabando com o desemprego. Não se quer tentar esta equidade? E já agora, ADSE e mais meia hora de trabalho por dia para todos?
O patrão Estado pode endividar-se sem limites para pagar aos seus funcionários e não reestrutura nem despede. Em contraponto, a maioria dos trabalhadores privados vive na corda bamba do mercado, global e confronta-se com a teoria de que ainda não paga impostos suficientes... Um metalúrgico português concorre com um alemão e com um chinês. Perde ou ganha consoante o resultado da sua empresa. Tem de poupar para o dia em que ficar desempregado. O mesmo para um empregado da têxtil, um agricultor ou um arquitecto. Por isso é errado querer comparar trabalhadores pela pátria e não pelo sector onde estão inseridos. Tratar igual o que é desigual.
Estes avisos das autoridades morais do país sobre a equidade fazem lembrar uma fábula da selva. Saiu uma lei a impor que todos os animais de boca grande iam ter de emagrecer. Resposta do crocodilo: o hipopótamo está tramado... Bem-disposto, o crocodilo. E amigo do presidente da selva.