No início da década de 1970, Sérgio Godinho lançou o seu primeiro disco, um EP ("um quê?!", dirão os mais novos), chamado "Romance de um dia na estrada". Desde então as estradas melhoraram e multiplicaram--se. Perdeu-se o romantismo. As estradas cumprem uma função. E são um microcosmo interessante, objecto de livros ("A auto-estrada do Sul", de Cortazar) e filmes (por exemplo, "The Hitcher") de culto.
Corpo do artigo
Tomemos o exemplo da ligação Lisboa-Porto, a minha parte preferida da auto-estrada Porto-Lisboa. Nos últimos meses, fiz, várias vezes, esse percurso a uma sexta-feira, ao fim da tarde. O trânsito é intenso e tende-se a conduzir depressa. A sua opção de velocidade dependerá de um conjunto de circunstâncias objectivas (a qualidade da estrada, a intensidade do tráfego, a potência do carro, o estado do tempo) e subjectivas (auto-avaliação das capacidades de condução, horários, o risco de apanhar uma multa, a probabilidade de acidente). Os economistas dirão que é tudo uma questão de comparar custos com benefícios, atentas as restrições.
Suponhamos que escolheu uma velocidade média dentro daquilo que se convencionou chamar a "margem de segurança", seja lá o que isso for. Se estiver atento a quem o ultrapassa, constatará que há três tipos de veículos que se destacam: os de alta cilindrada, os de matrícula espanhola (quase sempre de alta cilindrada) e umas carrinhas de 9 lugares.
A forma como os proprietários, ou os motoristas a seu mando, dos carros mais potentes se relacionam com os outros condutores talvez diga da sua maneira de estar na vida: sai da frente ou passo por cima. São eles os modelos para um conjunto de arrivistas, de óculos escuros e cabelo encharcado em gel (ou será o contrário?), que conduzem carros rápidos mas com limitada segurança, face à velocidade que atingem. Se este tipo de comportamento se limitasse à auto-estrada já era mau. E se for o espelho do que se passa nas relações laborais e de negócio?
Automóveis com matrícula espanhola, em excesso de velocidade, deixam-me perplexo. Num país estrangeiro tendemos a ser mais cuidadosos: as multas doem, têm de ser pagas logo ou fica-se sem o carro. Ou os espanhóis descobriram que a nossa Polícia não os multa ou... não são espanhóis. Dizem-me que, atraídos pela diferença de preço, vários portugueses criaram empresas em Espanha para aí comprarem os seus automóveis. A economia a funcionar. É capaz de ser verdade. Conduzem como portugueses: em Espanha, passa-lhe pela cabeça dar sinais de luzes ao carro da frente por ele o obrigar a reduzir a marcha? Gato escondido...
Finalmente, as carrinhas. Nalguns casos, as empresas a que pertencem estão identificadas. Domina a construção e obras públicas. Grandes empresas ou pequenos subempreiteiros. Cheias de trabalhadores, ansiosos de passar uma horas na terra. Na segunda-feira, de madrugada, farão a viagem inversa. Afinal, há mobilidade. A velocidade excessiva. Candidata a fazer manchete de jornais: "nove mortos em acidente de viação". A vida custa mais a ganhar do que a perder. Não faz parte da responsabilidade social das empresas tentar que os seus funcionários cumpram a lei? Os profissionais devem dar o exemplo.
Algumas empresas anunciam essa política nos veículos da sua frota. Pouco impacto terá se o exemplo não vier de cima.