Este ano, a dias "úteis" de findar, fica marcado, entre nós, por dois factos políticos descendentes que se complementam na sua má sina.
Corpo do artigo
Sem saber ler nem escrever, o PS obteve uma maioria absoluta nas eleições antecipadas de Janeiro que o próprio encarou com surpresa. Um senhor chamado Rui Rio, que Deus o conserve na sua santa ignorância e sossego políticos, tanto titubeou que conduziu a Direita ao abismo, ajudando a promover um extremo dela - o "Chega" - a terceiro partido nacional e a dar espaço a essa nefasta ambiguidade "idealista", uma espécie de "Bloco" sem cuecas e de pernas para o ar, chamada "Iniciativa Liberal". O PS de Costa, o mais radical e esquerdófilo destes cinquenta anos de partido, apareceu ao eleitorado como uma coisa virtuosa a que se podia agarrar como a um corrimão. E, feitas as contas, ficou com uma maioria absoluta de deputados sem história ou biografia, e com o pior dos governos formados por Costa desde 2015. Se fosse mau, diria que estão bem uns para os outros. Mas, para minha infelicidade, vivo e trabalho nesta choldra, embora não haja meio de me habituar, como recomenda o santinho padroeiro da maioria, o dr. António Costa, que tão desnorteado se tem revelado no caldeirão do seu autoritarismo democrático. Se espremermos os nove meses de exercício, é uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. O friso de governantes, salvo uma ou outra raríssima excepção, é nulo ou esquecível. Não é bem um governo. É um comboio, entre o Alfa e o de Chelas, desgovernado em cima de carris cambados. A este desastre ambulante correspondeu, pela natureza das coisas e do regime desde a revisão constitucional de 1982, a redução do papel do presidente da República que anda de um lado para o outro a passear a sua impotência política, travestida aqui e ali com umas bicadas inócuas no absolutismo democrático do outro. Marcelo, ao convocar as eleições, fez, sem saber, a cama em que tem agora de deitar-se. E nós com ele, na parte de baixo do beliche. Ambos falam para e de um país que só existe na famosa bolha, ou balão, que inventaram para se defender. Costa pôs uma caixinha multibanco na bolha, e já não a larga enquanto lho permitirem lá de fora. Marcelo, que vive na bolha, vai soprando no balão até ele rebentar. Algum dia o país parará para pensar. E constatará, como constatou o então primeiro-ministro Passos Coelho há onze anos, a "degradação dos laços de confiança" colectivos por baixo dos balõezinhos daqueles dois. Por enquanto, e como escreveu Cioran, "somos crucificados pelos aborrecidos" e pouco mais há a fazer. Bom ano.
*Jurista
O autor escreve segundo a antiga ortografia