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Nos anos de austeridade por que passámos, ela foi a bruxa má, a rainha das trevas, a encarnação de Cruella De Vil, a personagem que Walt Disney eternizou na tela, em "101 dálmatas", como a maior de todos os vilões. Angela Dorothea Merkel está há uma dúzia de anos no poder e vai hoje para mais quatro, numas eleições alemãs cujo resultado vai determinar o futuro próximo da União Europeia e influenciar as nossas vidas.
A questão já não está em quem chega à frente na contagem de votos de mais logo, mas em saber com quem vai aliar-se aquela que é considerada a mulher mais poderosa do Mundo para poder constituir novo Governo. A filha de um pastor protestante, doutorada em física; a menina tímida que não ousou saltar o trampolim na piscina da escola; a jovem criada para lá da cortina de ferro, na antiga RDA comunista, vai para o seu quarto mandato consecutivo como chanceler da Alemanha e herdeira política, na CDU democrata-cristã, de Helmut Kohl, o pai da reunificação germânica.
É uma vitória esperada. Um inquérito realizado pelo Pew Research Center revela que 86% dos alemães consideram que a maior economia da Zona Euro, a sua, está bem de saúde. O desemprego alemão é um dos mais baixos do Mundo, 4,1%. E, pelo quarto ano consecutivo, o Estado Alemão vai receber mais do que gasta. Ou seja, tem excedentes orçamentais, pese embora a persistência de problemas de desigualdade resultantes ainda da reunificação, e um acréscimo de precariedade laboral.
O excedente externo alemão reflete, é certo, o poderio das suas exportações, mas é também uma das causas do desequilíbrio interno da Zona Euro. Porque à poupança alemã corresponde o endividamento de outros, em especial no sul da Europa, Portugal incluído. Novidade mesmo é que tanto Merkel como Martin Schulz (seu principal adversário, líder do SPD desde o início deste ano, depois de ter sido presidente do Parlamento Europeu) defendem hoje políticas de pendor menos austero e concordam com as propostas do novo presidente francês, Emmanuel Macron, para a criação de um orçamento e um ministro das Finanças comuns para os países da moeda única, para além do compromisso de converter o atual Mecanismo de Estabilidade numa espécie de Fundo Monetário Europeu. Eis como, depois do Brexit, a reeleição da chanceler e o renascimento deste eixo franco-alemão prometem um novo tempo na Europa. O Governo português parece confiar nesse doce embalo de otimismo. Os alemães, nem tanto: não por acaso, a capa da revista "Der Spiegel", logo depois das eleições francesas titulava: "Macron salva a Europa, mas é a Alemanha que paga a conta".
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