Cuidemos da nossa mina de ouro
No arranque do verão, apetece sempre escrever uma crónica mais ligeira. Em teoria, a envolvente é ideal. Sol, férias, mar, peixe grelhado e até o início da temporada futebolística são ingredientes quase perfeitos para um texto colorido e despreocupado, capaz mesmo de fazer esquecer por momentos o mais recente episódio da obscenidade que se instalou no setor financeiro do burgo. A verdade é que, apesar de toda a minha boa vontade, um fim de semana algarvio tem-me surpreendido, de novo pela negativa, com as irritantes fragilidades do turismo português.
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Começando pelo princípio. A história estafada do país desgraçadinho que é periférico, pequeno e sem recursos nunca me comoveu, nem tão pouco convenceu. Portugal tem as suas armas. E uma delas é justamente uma combinação de recursos naturais que, não sendo petróleo ou gás natural, não deixam de ter grande valor económico. Falo da diversidade da paisagem: mar, ruralidade, montanha, planície, com tudo o que lhes está associado em termos de capacidade produtiva, mas também como suporte ao turismo, afinal a nossa mina de ouro.
E quem tem uma mina de ouro tem de a cuidar e explorar de forma sustentada. Sabemos que o que se fez nos 25 anos que se seguiram a abril de 74 foi essencialmente destruir essa combinação virtuosa de paisagem, fazendo afunilar o portefólio de produtos turísticos para um sol e mar localizado no Algarve, acompanhado de um sem-número de intervenções que basicamente serviram para delapidar os elementos diferenciadores de um espaço de excelência. Felizmente, a situação está hoje mais controlada e as novas regras que estruturam a intervenção no território não permitem já grandes asneiras. Mas existe um passivo que, tal como numa empresa, funciona como um lastro que impede o seu desenvolvimento. É chocante ver ainda mamarrachos por acabar, em plena frente marítima de aglomerados urbanos que em tempos tiveram uma identidade que lhes conferia atratividade. O último que vi ali está, imponente, na marginal de Monte Gordo. Mas existem tantos outros por esse país fora que envergonham locais e espantam turistas.
Outro dos défices que me vão irritando é a impreparação do pessoal que trabalha no setor do turismo. Sei que se evoluiu e que existem hoje profissionais de grande qualidade, sobretudo nos produtos e unidades hoteleiras menos afetados pela sazonalidade. A minha experiência no terreno permite-me observar duas tipologias de fragilidades: aqueles que não têm preparação para lidar com turistas e aqueles que não sabem ganhar dinheiro. A sua combinação retira produtividade ao setor e deixa, frequentemente, os clientes à beira de um ataque de nervos.
É aceitável que num restaurante de esplanada de uma das melhores localizações de Faro se espere uma hora por uma simples refeição ligeira? E que a mesma venha incompleta? É aceitável que, num hotel de cinco estrelas, três ou quatro empregados do bar se entretenham em conversas contínuas e não percebam que há um par de clientes sentados no sofá há mais de um quarto de hora aguardando que alguém lhes sirva uma bebida? É aceitável que existam ainda tantos restaurantes em cidades do país que querem atrair turistas, cujos empregados não falam inglês?
Há por aí demasiada gente no negócio que desbarata as oportunidades de bem servir e, portanto, de ganhar dinheiro. O que me espanta é que este país gastou nos últimos 25 anos uma quantidade inimaginável de dinheiro do Fundo Social Europeu, formando tudo e todos, com o conveniente reflexo nas estatísticas oficiais, mas continua ainda a existir um défice que limita seriamente o desenvolvimento do sector de maior potencial em Portugal.
Por muitos programas estratégicos e campanhas do turismo nacional que façamos, naturalmente necessários e com resultados interessantes, Portugal precisa antes de mais de um programa estratégico para anular os défices ainda existentes nos fatores de sucesso do setor. E há dois capítulos em que as fragilidades tendem a tornar-se crónicas. Paisagem, com particular incidência para os "fósseis" que vão descaracterizando as frentes marítimas dos aglomerados urbanos, conferindo-lhes um ar de Terceiro Mundo. E também os recursos humanos, que são o "software" da indústria do turismo e, portanto, têm de fazer a diferença pela positiva. É um programa para uma década, para o qual os meios financeiros do Portugal 2020 deveriam ser mobilizados. Cuidemos da nossa mina de ouro!