Na óptica do utilizador um programador dá muito jeito. Naquelas alturas em que já se tentou de tudo e nem a solução terminal do on/off resulta, quando a irritação dá lugar à resignação e o sistema, seja Gates, Jobs ou Linux, não funciona. Assistência técnica competente, a falta que faz. É assim no nosso sistema e não é diferente em qualquer cidade. Há uma altura em que não chegam os paninhos quentes, os curiosos de ocasião ou os voluntaristas. Chega um momento em que os remendos já não permitem coser a manta. Ainda que em GPS, é necessária uma visão integrada. Uma visão, vá.
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Uma política cultural faz a diferença num Porto que quiseram desligar da corrente à força bruta, forçando a ficha e a nota, numa cidade que (ainda assim) resistiu a ceder à resignação após anos a fio de um cônsul que não valorizava a cultura senão com uma calculadora em riste com modo autosum, formato folha de cálculo em versão que já não permitia update possível. Esta cidade que resistiu a entregar-se a La Féria, mesmo quando a sua feira popular privada já estava montada no municipal Rivoli, esta cidade que sofreu em longos anos de aparente apatia mas que assumiu o seu período de nojo, o seu tempo de objecção de consciência, trabalhando - numa espécie de surdina - e assistindo ao florescimento de uma cultura de observação (mais do que de subversão) nos artistas da cidade. Como as flores que também nascem no deserto mais seco, o verbo foi resistir. Em 2013 abriu-se um novo ciclo político na Câmara do Porto e prometeu-se mudança. Hoje, temos um Teatro Municipal do Porto (TMP) com duas valências (Rivoli e Teatro Campo Alegre) e apresenta-se um programador cultural, Tiago Guedes, após concurso e independentemente dele. Será que podemos ser optimistas em nome da cidade? É que na óptica do espectador, um director artístico também dá muito jeito.
Os anos de reclusão cultural nos quais a cidade do Porto foi suspensa só podiam ser combatidos com resistência. Foi assim quando artistas do Teatro Plástico ocuparam o Rivoli por três dias após uma manifestação às suas portas, em Julho de 2006. Eu, como tantos outros, estávamos lá a dizer não à "oferenda" do Teatro Municipal a qualquer privado. Qualquer um. Lembro-me de ver e ouvir o agora presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, por lá. E, também por isso, a devolução do Rivoli à cidade não é mais do que a consequência de uma matriz que revela pensamento cultural e solidez de pensamento. Pensar duas vezes, take 2. Tiago Guedes tem ressalvado o legado de Isabel Alves Costa e a delapidação de La Féria, entrando "a matar" sobre as políticas culturais de Rui Rio. Perante isto não preciso de mais nenhum sinal de independência ou de alimentar teorias da conspiração sobre se o concurso público (que a Câmara não estava sequer obrigada a fazer) já tinha vencedor antecipado há meses. Não façam a cidade do Porto perder mais tempo. Se não houvesse concurso público as alegações de manipulação política seriam semelhantes. Cinema independente, artes performativas, marionetas, novo circo, serviço educativo, ciclos de debate e conferências, teatro, música, bailado, tudo pode ter lugar nas valências do TMP. Em parceria com o Teatro Nacional S. João, Casa da Música, Serralves, Coliseu, o TECA, o Mosteiro e S. Bento da Vitória, entre outros. Evitar a autofagia e o "friendly fire", eis um desígnio.
Vamos assumir que acabaram os anos sem diálogo. É evidente que não basta querer: é necessário que o orçamento camarário para a cultura alimente as expectativas. O vereador da cultura, Paulo Cunha e Silva, já admitiu concordar com as pertinentes interrogações e expectativas que o texto/plataforma "Teatro Municipal: que serviço público?" levanta, à excepção da proposta de um "conselho geral de opinião" por parte dos agentes culturais portuenses. Tiago Guedes também vai precisamente ao encontro do que os agentes culturais no Porto esperavam, prometendo auscultar todos sem excepção, Seiva Trupe inclusive. E se é em Março que Cunha e Silva, em sede camarária, aprovará (ou não) as propostas de programação de Tiago Guedes, por que não auscultar nesse momento os agentes culturais da cidade, evitando a evidente "entropia" do formal "conselho geral de opinião", mas assumindo que essa voz informal e formada é vital independentemente da forma que assume? E que tal fazer disso um hábito? Fica a sugestão para o "caderno de encargos" de Cunha e Silva. Este novo ciclo cultural na cidade do Porto parece bem capaz de prometer e cumprir.