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Confesso que não entendo por que razão a Academia não convida as Jotas a participar no cortejo da Queima. Não deve haver decurso na Universidade da Vida que mais o merecesse do que o dos jotas. A participação na Queima permitir-lhes-ia ostentar com orgulho a semente, a nabiça, o grelo ou as fitas conforme, respectivamente, andassem por lá a servir cafés, a alinhar cadeiras, a dizer que sim com a cabeça ou a escrever discursos para os mais velhos até, finalmente, de capa e batina porem cartola e bengala quando alcançassem a cobiçada profissão de deputado.
Mais ainda por se tratar de um decurso profissional com inúmeras saídas: quantas e quantos jotas não se perderam pelo caminho para presidentes de concelhia, autarcas, assessores, secretários de Estado, ministros ou, tão-somente, gestores de empresas públicas?
Certo é que a participação na Queima lhes daria palco para se defenderem dos violentos ataques a que têm sido sujeita a profissão; não bastava Rui Rio ter feito eco, numa entrevista, da impensável hipótese de os votos em branco poderem eleger cadeiras vazias no hemiciclo (dessa forma desperdiçando inúmeros postos de trabalho), veio há tempos o presidente da Concelhia de Gaia do PSD relembrar a infeliz ideia de reduzir o número de deputados de 230 para 180, com isso ameaçando lançar 50 finalistas das Jotas no desemprego. Se a isto somarmos um vencimento de miséria que não ultrapassa os 4000 euros por mês (quando comparado com os 15000 que um eurodeputado pode auferir), por aqui se vê a pertinência de que a participação no cortejo se revestiria caso lhes fosse dada a oportunidade de pintar carros alegóricos com protestos contra, por exemplo, o inqualificável ataque que o Bloco de Esquerda ainda recentemente perpetrou, ao apresentar um projecto-lei que previa a exclusividade de funções dos deputados com o intuito de impedir (que absurdo!) que agissem no Parlamento "em nome de interesses económicos particulares", uma vez que no entender do Bloco, a acumulação de funções gera (imaginem só!) "desconfiança entre eleitores e eleitos", não promovendo a "transparência".
Felizmente, a maioria chumbou o projecto-lei porque isso da exclusividade é para médicos que depois de queimar a juventude atrás de uma média de 18,5 valores para se formarem no ofício que maior responsabilidade tem sobre a vida humana, não têm nada que ousar somar ganhos privados aos 1200 euros líquidos que já trazem (todos os meses!) do hospital. Hipócrates de Cós que lhes pague as contas!
Os deputados, não, esses devem poder continuar a juntar outros proveitos àqueles quase 4000 euros mensais, até porque alguns deles também são ("da parte da tarde") ilustres gestores e advogados de escritórios envolvidos em PPP e privatizações, e Portugal ainda só é o terceiro país europeu com maior número de administradores por empresa (a seguir à Alemanha e à Espanha) e há que almejar ser primeiro, corroborando a CMVM quando divulgou que uma vintena de gestores de empresas cotadas em bolsa acumulam lugares de administração em 30 ou mais sociedades (num dos casos, em 59), numa espécie de milagre multiplicador das horas do dia de fazer inveja a Jesus Cristo que, nada percebendo de finanças, se ficou pela multiplicação de peixe e pão.
Bem sei que nas Jotas, ao invés da faculdade, não se pagam mil euros de propinas - há tempos, um único militante da Concelhia de Matosinhos do PS terá custeado com um cheque de 11 066 euros, as "propinas" de 1172 militantes, alguns dos quais já falecidos - e que não se entra nas Jotas por médias, como abundantemente demonstrou a tese de doutoramento de Miguel Coelho ao evidenciar "uma situação de afunilamento no acesso à profissionalização política dos deputados", sendo a integração num órgão executivo "uma via de acesso directa para o Parlamento". Mas, que diabo!, os cursos tradicionais também proporcionam excelentes oportunidades. Que o diga o poema Faculdade, de José Miguel Silva quando assegurava (em 2002!) que: "Daqui a anos já serás/ formado em miudezas/ de futuro gradeado e/ o mundo vai abrir-se, já o sabes, num esgoto cor de prata".