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Não há português, espanhol, grego, francês ou italiano que não conheça o sorriso escarninho e aquele dedo acusador do senhor Schäuble, o arrogante ministro alemão das Finanças, quando se pronuncia sobre as misérias das contas alheias. Talvez seja preciso lembrar-lhe aquele ensinamento do Sermão da Montanha: "Não julgues, para que não sejas julgado; porque com o juízo com que julgas, serás julgado".
Direto ao assunto: o Deutsche Bank, maior banco alemão e um dos gigantes da finança mundial, com mais de 20 milhões de clientes, ameaça desabar, tal a ruína a que foi conduzido. Só em 2015 perdeu mais que o equivalente ao défice português, e as ações que valiam 100 em 2008 caem hoje para 10 vezes menos.
O antigo chefe do gabinete europeu de luta contra a fraude denuncia como se chegou até aqui: escândalos e ilegalidades que vão desde a manipulação de mercados, a compras fraudulentas e encobrimento de perdas. Chega a comparar o Deutsche Bank a uma organização criminosa, ao lado de quem a nossa Dona Branca ganharia o altar dos beatos.
Agora, toca a rebate. O FMI diz que se trata da maior ameaça para o sistema financeiro global, tão grave como o colapso do Lehman Brothers. E o dilema que se coloca a Schäuble e à senhora Merkel é simples: ou o Estado alemão resgata o seu maior banco, demasiado grande para falir, ou deixa-o entregue à voragem dos mercados, o que seria um desastre de dimensão planetária, pelo efeito de cascata de consequências imprevisíveis para todos nós.
Com eleições dentro de meses, os contribuintes alemães não hão de querer pagar desmandos. Acontece que, desde o início do ano, estão em vigor as novas regras para o setor bancário da Zona Euro que não permitem uma injeção de capital por parte do Estado antes de acionistas, credores e mesmo grandes depositantes assumirem as suas perdas. Não cumprindo, a Alemanha perderia legitimidade para pedir aos outros (Itália e Portugal, por exemplo) que cumpram as regras que a todos vinculam por força dos tratados. Ei-los, pois, a provar do próprio veneno.
Ainda assim, saudemos o Dia da Unidade Alemã, que se comemora amanhã, 3 de outubro, para festejar a reunificação que se seguiu à queda do Muro de Berlim. Saudemo-lo porque esse foi um sinal de esperança para todos os europeus. E até porque, amargamente, ensina a história que a Alemanha nunca tropeça sozinha. Mas talvez tivesse razão Helmut Schmidt , o antigo chanceler falecido há meses, quando disse que "políticos e jornalistas partilham o triste destino de terem de falar hoje de coisas que só compreenderão verdadeiramente amanhã".
* DIRETOR