D. Manuel Martins, o Bispo dos pobres e excluídos
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Por decisão de S. Paulo VI, no dia 16 de julho de 1975, foram criadas as Dioceses de Santarém e de Setúbal. Territórios que faziam parte do Patriarcado de Lisboa, donde, então, foram desanexados. Na mesma data foi dado a conhecer o nome dos dois primeiros bispos para as respetivas Dioceses. Para Santarém foi nomeado D. António Francisco Marques. Para Setúbal, D. Manuel Martins, um padre da Diocese do Porto, colaborador direto do célebre Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. Em Setúbal era um total desconhecido. Por isso, a sua nomeação foi uma grande desilusão para os católicos da nova Diocese que alimentavam a esperança de ser escolhido, D. João Alves, o Vigário Episcopal da Região de Setúbal que veio, uns três meses depois, a ser nomeado Bispo Coadjutor de Coimbra. Aquando da sua Ordenação Episcopal e tomada de posse, como 1.º Bispo de Setúbal, em 26 de outubro de 1975, realizou-se uma manifestação de protesto, com participantes, maioritariamente, da extrema esquerda que se recusavam a ter como Bispo, um homem vindo da "reacionária" região Norte do país.
Bem cedo se desfizeram as más impressões. Afinal, o Bispo apresentava-se como uma pessoa comum. Caminhava pelas ruas como toda a gente e frequentava os cafés e restaurantes com toda a informalidade. Trouxe consigo um hábito muito sadio que era o de levantar-se bem cedo, sem esperar que o dia nascesse e, a pé ou de bicicleta, percorria os caminhos da cidade sadina. Metia conversa com os trabalhadores que esperavam por transporte para irem para as fábricas ou com quem estava nas filas à porta dos Centros de Saúde na esperança de ter a consulta tão necessária.
Tive a graça de o Bispo me conhecer, passado pouco tempo depois de ter chegado. Foi descobrindo as minhas potencialidades e confiando-me responsabilidades. A mais exigente foi a de, em seu nome, presidir à Cáritas Diocesana. Com ele aprendi a estar no lugar certo da história, que é na defesa intransigente da dignidade humana, em particular, dos mais pobres e excluídos.
Perto da celebração de um Natal disse-me que queria, na noite da consoada, levar uma refeição quente e deixar cobertores às pessoas que dormiam nas ruas ou em tugúrios. Fomos, e não se limitava a entregar as refeições. Ficava algum tempo a conversar com as pessoas, enquanto os voluntários da Cáritas "montavam a mesa". No que restava de um escritório de uma fábrica abandonada, estava uma jovem mãe toxicodependente com o seu filho de 4 anos. Quando chegámos ela estava a ser prostituída. O homem compôs-se e foi-se embora sem dizer palavra. Ela chorava de vergonha. A criança, habituada, que estaria, a cenas como a daquela noite, não compreendia o choro da mãe e só queria o seu colo. O Bispo abraçou-a de modo reconfortante sem qualquer palavra de recriminação. A mesa foi posta numa pequena caixa de madeira. Quando saímos, D. Manuel chamou-me à parte e disse-me: Isto para ser verdade tem que ser todos os dias. E assim foi. Naquela noite nasceu a primeira resposta social, na cidade de Setúbal, para pessoas em situação de sem abrigo.
Hoje, dia 26 de outubro, assinala-se o cinquentenário da Ordenação Episcopal de D. Manuel Martins e da tomada de posse da Diocese. Em nome dos muitos desempregados, das vítimas da crise socioeconómica que se abateu sobre Setúbal no início dos anos oitenta; dos muitos idosos, doentes e encarcerados nas muitas visitas pastorais que fazia às paróquias; das pessoas em situação de sem abrigo e/ou portadoras de HIV; das vítimas de aditivos; das crianças em situação de risco; dos pobres e excluídos, digo: Obrigado D. Manuel pelo muito que fez e disse, mas, fundamentalmente, pelo legado que nos deixou e que queremos conservar. Interceda por nós a Deus para que sejamos dignos desse legado e capazes de o pôr em prática.

