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Enquanto Passos Coelho compara o Governo grego a um "sonho de crianças" e foge, irresponsavelmente, ao debate que tem que ser feito sobre a recolocação estratégica de Portugal face à nova realidade que a vitória do Syriza na Grécia inevitavelmente convoca, o Prémio Nobel da economia Paul Krugman pergunta - na sua crónica no "New York Times" - se o problema do Syriza não seria precisamente o de não ser suficientemente radical. Suficientemente radical para colocar em cima da mesa a questão do "Grexit" (a saída da Grécia do Euro), para erradicar de vez com a "fantasia económica" (Krugman, dixit) sem sentido imposta pela elite da Europa, para não encontrar soluções menores para problemas maiores que só foram agravados pelos planos de suposta assistência financeira. O problema do pesadelo grego, segundo Krugman, é que uma reestruturação suave da dívida e da austeridade possa ser apenas um paliativo que oculte a degradação da economia pela ilusão do pequeno crescimento, sem que seja alguma vez possível uma forte recuperação económica que permita aos gregos a aproximação aos padrões de vida anteriores à intervenção da troika.
É uma ilusão a ideia de que a Grécia não cumpriu o programa de austeridade da troika e que por isso continua afundada no lixo tóxico do rating. À Grécia foram impostas sucessivas medidas de austeridade, cortes profundos nos salários e reformas, despedimentos em massa, rupturas e cortes inumanos no sistema nacional de saúde. A taxa de desemprego que se previa crescer "apenas" de 9,4% em 2009 para 15% em 2012 (começando depois a descer rapidamente, segundo as projecções da troika) elevou-se, em 2014, aos insustentáveis números de 28% (com as taxas de desemprego jovem a subirem até aos 60%). Entre 2009 e 2014, o PIB da Grécia caiu cerca de 25%.
Alexis Tsipras recusou, perante o presidente do Eurogrupo, continuar a negociar com a troika, reiterando a disponibilidade para dialogar com a União Europeia. Pela composição democrática de todos os países do Euro, clamando pela realização de uma "Cimeira Europeia sobre a Dívida" que possa clarificar posições sobre a construção desta Europa fria, especuladora e potencialmente corruptora dos valores mais básicos da dignidade, desmontando o embuste das políticas irrealistas que colocaram os países intervencionados sem perspectiva de crescimento que se veja, com a dívida a aumentar, com a sociedade num caos e com grande parte das pessoas em sofrimento. A receita falhou. E falhou com estrondo. Aliás, nunca se encontrou na História um exemplo em que a austeridade forte para pagamento compulsivo da dívida pública sustentasse qualquer perspectiva de crescimento económico. O experimentalismo económico desabou sobre Portugal, Grécia e Irlanda.
Paul Krugman descreve, na sua crónica, um pesadelo grego e uma fantasia alemã; Passos Coelho fala-nos da Grécia como um "conto de crianças". Em Portugal, a pobreza não pára de crescer, com crianças, mulheres e desempregados a protagonizarem a maior fatia das 2,7 milhões de pessoas em risco de exclusão social pela pobreza. Qual será então o "conto português" para Passos Coelho, onde pára a criançada? Como em Coimbra, é favor não bater palmas no fim. Com os braços cruzados, Passos Coelho apresenta-nos o cruel conto português: o fado alemão.
No fim do destino que o nosso Governo nos traça é bem provável que não seja possível bater palmas porque estaremos todos de mãos atadas. É absolutamente incompreensível que um país intervencionado como o nosso, que perdeu a sua autonomia durante anos e não a recuperou só porque Nuno Melo abriu uma garrafa de champanhe com a saída da troika, não esteja do lado da recuperação grega ou que, pelo menos, não inflicta um milímetro no discurso de submissão perante o fracasso evidente das políticas de austeridade. Que, no fundo, não esteja interessado em salvaguardar Portugal, que não queira salvar a Europa. Da América, para além do Prémio Nobel da Economia, também ouvimos um Prémio Nobel da Paz (ou pelo menos das expectativas) falar sobre a Grécia e sobre a oportunidade desta nova Europa que os gregos corajosamente souberam entregar como hipótese à elite europeia. Barack Obama defendeu uma estratégia de crescimento não ficcionada, que não insista em políticas falhadas de austeridade que só conduziram ao empobrecimento e à depressão económica, defendendo "um compromisso de todas as partes". Vindo de Krugman e de Obama até parece um musical. Mas, desta vez, os intervencionados da Europa agradecem. Se houvesse hipótese de um "remake" para alguns filmes como ainda há para a Europa, Coppola filmaria a cena direitinha para "One from the heart".