Da democracia na América
Nas eleições americanas o tema forte da campanha presidencial dos democratas tem versado a luta contra "a pobreza, a discriminação e a ignorância". As políticas de emprego - que vêm sendo torpedeadas pela oposição, maioritária na Câmara dos Representantes desde as eleições intercalares; os estímulos à economia, energias renováveis e sustentabilidade ambiental; a generalização do acesso aos cuidados de saúde - alvo de feroz contestação; a educação e a formação profissional. Barack Obama confessou na Convenção do partido onde recentemente foi designado como candidato, que estava "consciente dos seus próprios fracassos".
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Reconheceu que o caminho é árduo mas que os problemas têm solução e que as próximas eleições confrontam os americanos com "a opção mais clara de toda uma geração". Afirmou que a oposição apresenta, como único caminho, a realização de "mais cortes nos impostos e a diminuição da intervenção do Estado na economia", e denuncia o alegado argumento dos republicanos de que, "uma vez que o Governo não pode fazer tudo, então não devia fazer praticamente nada."
Evocando a oposição de Mitt Romney ao programa governamental de relançamento da indústria automóvel que ficou arruinada pela crise financeira de 2007, o atual vice-presidente, Joseph Biden, acusa-o de tratar o problema na perspetiva da "Bain Capital", uma sociedade privada, de capitais de risco, atuando na área da recuperação de empresas, que ele geriu com sucesso ao longo de 15 anos e se transformou numa bandeira da sua campanha eleitoral. Apenas num ano, a "Bain Capital" meteu no bolso dos seus acionistas cerca de 88 por cento de lucros, garantidos pelos empréstimos contraídos pelas empresas "participadas" e isentos de impostos sobre o rendimento por serem "taxados" como "ganhos de capital". "Ganhos" imediatos dos investidores das "sociedades de capital de risco", realizados com a alienação das empresas logo após o "sucesso" da recuperação. Quando, a seguir, oneradas pelo forte endividamento, as empresas "bem-sucedidas" acabam por naufragar devido a uma inesperada alteração do mercado - o que, de todo, não é raro acontecer - os lucros extraordinários entretanto arrecadados pelas capitas de risco - "private equities" - já estão a salvo para outras aventuras. Joseph Biden observa que esta não pode ser a visão de "sucesso" de um governo democrático.
Por seu lado, a campanha republicana proclama a prioridade da luta contra o défice e a urgência da diminuição dos impostos, reclama a supressão dos programas sociais e o seu candidato à presidência, depois de ter afirmado, em fevereiro, que "não se preocupava com os pobres", veio agora confirmar as declarações ainda mais espantosas que fez num jantar de angariação de fundos, captadas às escondidas e agora difundidas num vídeo publicado no site da revista "Mother Jones". Aí, Mitt Rommney diz que não se preocupa com os 47% dos eleitores que apoiam Obama. Porque, segundo ele, são pessoas "dependentes do Estado, que se consideram como vítimas, que acham que o Estado tem a responsabilidade de tratar delas, que se acham no direito a cuidados de saúde, alimentação, habitação, o que quer que seja." Conclui que "nunca conseguiria convencer" esses 47% de que deviam assumir as suas responsabilidades pessoais e cuidar das suas vidas" e, por isso, ele não tem que se "preocupar com os muito pobres". Quando Obama retorquiu que o Presidente dos EUA é o presidente de todos os americanos, Romnney precipitou-se a esclarecer que ele também! Mas manteve tudo o que tinha dito, numa atitude que foi considerada pelos seus próprios correligionários como "estúpida e arrogante".
Faltam agora apenas sete semanas para as eleições presidenciais americanas. A opção com que se confrontam os eleitores americanos, como salienta Barack Obama, nunca foi tão clara. E como notava Alexis de Tocqueville, já lá vão quase 130 anos, para salvar o futuro da democracia há que prestar atenção ao que se vai passar nos Estados Unidos da América.