A primeira má notícia chegou-nos da América do Norte. Mais um juiz alinhado com o ideário político de Donald Trump acaba de aceder ao Supremo Tribunal Federal constituído por nove juízes de nomeação vitalícia, desta forma assegurando a sintonia do órgão máximo do poder judicial com as orientações políticas do atual presidente. O princípio da separação dos poderes que, através de um sofisticado sistema de "checks and balances", garantia a independência dos tribunais e neutralizava as tentações de abuso do poder, acaba de sofrer um grave revés que ameaça perigosamente o futuro da democracia norte-americana. Com efeito, a maioria republicana que já controlava o poder executivo (a presidência) e o poder legislativo (a Câmara dos Representantes e o Senado), conseguiu agora conquistar o órgão que lhe faltava: a cúpula do poder judicial. A derradeira esperança, alimentada pelas sondagens realizadas até agora, favoráveis aos candidatos do Partido Democrático, reside nas eleições intercalares de novembro, caso o voto popular acabe com a maioria que o partido do chefe do Governo atualmente detém nas duas câmaras do Congresso.
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A boa notícia - mais precisamente, a notícia menos má! - chegou da América do Sul. O candidato neofascista às eleições presidenciais do Brasil não conseguiu a vitória que ambicionava nas eleições presidenciais de domingo passado e o voto decisivo apenas terá lugar na segunda volta, no último domingo de outubro. A vantagem de mais de 16% que Jair Bolsonaro obteve sobre Fernando Haddad - o candidato do PT que ficou em segundo lugar - por muito improvável que pareça, poderá ainda ser revertida. Tudo depende do que acontecer nas próximas quatro semanas porque o que aconteceu nos últimos dois anos é verdadeiramente escandaloso e extraordinário: primeiro, foi o golpe de Estado que destituiu em 2016 a presidente Dilma Rousseff, eleita pelo PT, com fundamento em pretextos ridículos que apenas serviam para encobrir o desígnio inconstitucional e antidemocrático de reverter o programa de Governo sufragado pelos eleitores. Depois, a condenação judicial de Lula da Silva num processo surpreendentemente expedito e flagrantemente direcionado para impedir que ele concorresse às eleições presidenciais em que era, a grande distância de todos os outros concorrentes, o candidato preferido dos brasileiros. É por isso evidente que os quase 50 milhões de cidadãos que a 7 de outubro votaram em Jair Bolsonaro não são fascistas ou sequer da extrema-direita. São cidadãos descrentes na respeitabilidade dos partidos e das instituições públicas que os deviam representar e defender. Saiba Haddad criar as oportunidades de pôr a nu as contradições e inconsequências de Bolsonaro, a sua arrogância fútil, o vazio programático que ofereceu aos eleitores e que tanto agrada à oligarquia tradicional que nele votou, segura de que ele nunca prejudicará os seus interesses e privilégios!
Por outras palavras, enquanto nos Estados Unidos deparamos com uma despudorada maquinação visando o controlo dos tribunais pelo poder político, no Brasil, inversamente, são os tribunais que intencionalmente interferem na expressão livre da vontade democrática e que promovem, objetivamente, o sucesso do candidato da extrema-direita. A corrupção é apenas o indício de problemas mais fundos da organização social, do conflito ou desfasamento entre distintas ordens de valores. Mas é a própria justiça que se corrompe se em vez de punir os corruptos, como lhe cabe, deles se serve como espetáculo da sua própria glorificação. As falsas alternativas emergem quando os eleitos, continuadamente, dissipam a confiança por ausência de respostas para os problemas reais do povo que os elegeu.
* Alusão ao título da obra mais célebre de Alexisde Tocquville: "Da democracia na América", 1835
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL