Da digitalização à solidão digital: um desafio para os educadores
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Vivendo nós uma época em que a digitalização, a par de ser incontornável nos domínios da ciência e da técnica, faz parte do nosso quotidiano, temos necessariamente de refletir sobre o seu alcance em termos do acesso generalizado e urgente de todos à fruição de competências para a sua utilização em benefício próprio e da sociedade. Desde logo porque a iliteracia neste domínio inviabiliza desde a participação nas dinâmicas da investigação, o benefício de múltiplas inovações tecnológicas, o uso de inesgotáveis fontes e meios de comunicação e, cada vez mais, o acesso à cultura e até aos dispositivos burocráticos em termos do cumprimento das obrigações fiscais, sanitárias e outras. A exclusão digital tem, portanto, de ser combatida.
Assim sendo, importa que a escola seja nos programas das diferentes disciplinas, seja nos processos de ensino-aprendizagem, seja ainda nos mais variados procedimentos das suas rotinas de funcionamento, mobilize os adequados recursos informáticos que, formando coerente e consequentemente os educandos, normalizarão também as dinâmicas frutuosas da sua utilização. Junto dos mais jovens estas estratégias pedagógicas são com certeza bem acolhidas por estes estarem altamente motivados para o uso dos instrumentos que as mesmas implicam, tais como computadores tablets e telemóveis, e porque à partida se integram facilmente nas diversas operações cognitivas e intelectuais que os softwares existentes ampliam e simulam.
Há todavia algumas variáveis prévias e complementares que devem ser de igual modo objeto da atenção dos educadores, sejam estes professores ou familiares. Referimo-nos muito concretamente ao uso intensivo e precoce nomeadamente dos telemóveis por crianças e adolescentes, os quais, com frequência, passam a privilegiar o seu uso em detrimento da comunicação face-a-face com as outras pessoas, na família e até entre amigos. Isto sem prejuízo do reconhecimento da importância conjuntural que, neste domínio, teve o online no decurso do confinamento. Mas sabemos também como a intensidade e predominância do online afetou e continua a afetar a socialização destas crianças e jovens, com consequências ainda imprevisíveis. Acresce a instalação de uma tendência para que, absorvidos pelo fascínio do ecrã, tenham menos disponibilidade para prestar atenção ao meio natural e social que as envolve e que, de uma forma ou de outra, os afeta e necessita igualmente da sua solidariedade.
Atente-se, por último, no risco que representam os múltiplos jogos que lhes são proporcionados, os quais, para além da violência que muitas vezes os animam, uma vez mais em vez do sentido da solidariedade, tendem a gerar uma viciação que absorve de modo tentacular os seus utilizadores.
A comodidade que este tipo de sobreocupação dos mais novos proporciona aos pais não pode deixar indiferentes os pedagogos e os psicólogos. Para que a digitalização constitua de facto, na sua plenitude, uma conquista da humanidade e nunca uma ameaça e uma queda perversa na solidão digital.
Professor coordenador principal e coordenador do Observatório da Solidão do ISCET - Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo