Por mais que procuremos encontrar algum motivo para desanuviar o ambiente pesado que se vive no nosso país a realidade aí está,pura e dura, a chamar-nos à razão. Nem esta época natalícia, tão propícia ao aliviar de tensões, nos veio trazer alguma acalmia. Sobretudo para os que vivem no norte e para os que vivem o Norte. Esta semana veio demonstrar aquilo que já se ia sentindo - a Região Norte está cada vez mais isolada, entregue à sua sorte e perdendo força política e económica.
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A comprová-lo está, desde logo, o que sucedeu com a Casa da Música. É inacreditável, inconcebível, degradante, o que aqui se passou. Sou testemunha presencial do que na essência aconteceu. Por motivo de responsabilidades profissionais, representei uma das entidades fundadoras na reunião do Conselho de Fundadores que deveria avaliar as perspetivas financeiras da instituição, em vista do anunciado corte do financiamento devido pelo Estado. A contribuição a que o Governo está obrigado, por força de lei, tinha vindo a emagrecer face à atividade crescente da Casa da Música, levando a administração a bem sucedidos esforços de imaginação para que o nível nacional e internacional conseguido não fosse seriamente afetado. O administrador delegado vinha informando os fundadores das reuniões que iam decorrendo com a Secretaria de Estado da cultura e das dificuldades em acomodar cortes adicionais à já encolhida contribuição estatal. Previa-se uma reunião de fundadores tensa com a presença do secretário de Estado, tendo por pano de fundo as tremendas restrições orçamentais a que estava sujeita a Casa da Música.
À hora marcada a reunião de fundadores não começou. Noutra sala tentava-se com Francisco José Viegas, então secretário de Estado da cultura, o acordo que evitasse a rutura. E assim aconteceu. O presidente do Conselho de Fundadores, o administrador delegado e o secretário de Estado anunciaram, então, que com muito esforço se encontrou no corte de 20% da dotação prevista a plataforma possível para manter a Casa da Música no limite da dignidade exigível.
E o Conselho deu o seu acordo à proposta.
Emerge, então, um Barreto Xavier elevado a secretário de Estado para substituir Viegas. E dá o dito por não dito. Não senhor, não sabia de nada e o corte é de 30%. Nos anais da SEC nada estava escrito e, como tal, passava a ser como ele diz. Sem mais. O conselho de administração demitiu-se. Que outra coisa poderia fazer?
No Conselho de Fundadores estão representadas as mais relevantes instituições do Porto e as mais significativas empresas do Norte e do país. É, para todos, uma tremenda indignidade. Ao prestar-se a este triste papel, não é difícil augurar para o secretário de Estado Barreto Xavier um grande futuro político, enquanto este Governo durar.
Um Norte mais fraco está, depois, comprovado pela dura realidade dos números. Na semana passada referi-me ao recuo de Portugal face aos níveis médios de bem estar dos países europeus. E disse que com base em valores ainda provisórios se temia que o Norte tivesse recuado não só face à Europa, mas também face à média das regiões do país. E os dados definitivos aí estão, situando-nos na cauda de Portugal. Há alguns anos em segundo lugar, a seguir à região de Lisboa. Agora em último lugar no PIB por pessoa do nosso país, 46 pontos percentuais atrás da capital.
Finalmente, o fim do programa Praça da Alegria da RTP emitido dos estúdios do Norte. Por ali passavam diariamente gente simples, personalidades, representantes de organizações da sociedade civil nortenha, apresentados por dois comunicadores de excelência - o Jorge Gabriel e a Sónia Araujo . Acabou a partir dos estúdios do Monte da Virgem para passar a ser transmitido de Lisboa, já em Janeiro. Alguns resistentes protestaram localmente ( e louvo a coragem do Jorge Gabriel que deu a cara, veremos com que consequências ) e tudo terminou aqui.
O que dói é ver a facilidade com que estas coisas acontecem. A pretexto das dificuldades por que passa o país, tem-se vindo a reforçar o centralismo e a tomar-se decisões em que antes nem se ousava pensar. Mas o que é ainda mais lamentável é verificar que quem tem o dever de falar se serve da crise para manter o mais cúmplice dos silêncios.