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Portugal autodestruiu-se em curtíssimo tempo. Os últimos três anos foram arrasadores, vertiginosos e deixaram um rasto impossível de levantar pelo menos nos próximos 20 anos. A dívida transcende-nos, as novas gerações partem, as empresas-âncora são vendidas a saldo, quase todas as maiores da Bolsa têm sede na Holanda e o poder do capital português era afinal um "bluff". Caso após caso, quase todos os ativos estratégicos foram vendidos - falta a TAP, a Caixa Geral de Depósitos e a Águas de Portugal. O que é hoje este país e para que serve?
A entrega do país a Santana Lopes por decisão unipessoal de Durão Barroso foi um momento tão surreal que, vê-se hoje claramente, aí começou a perda de controlo do país. Por que não Manuela Ferreira Leite ou Morais Sarmento? Daí até à maioria absoluta de Sócrates (contra Santana) foi um pequeno passo. E é verdade que as coisas não correram mal até 2008. Só que a crise financeira mundial abriu ao primeiro-ministro a oportunidade de gastar sem fazer contas - ordem de Bruxelas. "Salvar o emprego e a economia". Seguiu-se naturalmente a bancarrota em apenas três anos. Passos Coelho ganha então as eleições anunciando claramente ao que vinha: abrir Portugal de par em par ao mercado. Só não ouviu quem não quis.
Não tenho nada contra o mercado com peso, conta e medida. Mas a questão é esta: o Estado, no seu sentido mais histórico, ainda serve para alguma coisa? A ausência de uma visão sobre quais são os "interesses nacionais estratégicos" é essencial para um país não ficar completamente manietado. Passos não tem essa visão e em três tempos vendeu o resto dos anéis e já alguns dedos. O caso dos aeroportos em monopólio é o mais evidente mas os encargos loucos na energia é outro e absolutamente ruinoso.
O caso BES/GES é o exemplo de uma machadada brutal na confiança nos mercados bancário e de capitais portugueses. A sistemática venda de dívida tóxica do GES aos balcões do BES no formato de "produtos não complexos" a investidores não qualificados gerou uma atempada "mea culpa" da supervisão - que garantiu penhoras para evitar que o golpe de Ricardo Salgado fosse por diante. Mas nem assim teve sucesso porque foi mais uma vez enganado nas penhoras (o falso valor da seguradora Tranquilidade) por Ricardo Salgado... E agora é o Banco de Portugal a empatar a simples devolução do dinheiro aos clientes que estavam sob sua proteção.
Aliás, o caso BES/GES - e a polémica sobre o aumento de capital de maio que deixou sem dinheiro milhares de pequenos acionistas - é demencial porque toda a gente sabe que em Portugal não há Justiça: há leis, advogados, processos, juízes, tudo embrulhado numa bolha de um tempo irreal. Quando os casos se resolvem já é demasiado tarde. As pessoas estão entregues a si mesmas.
O que é então Portugal neste momento? Um território gerido pelo Estado? Mas quem aparecer e disser que vai criar umas dezenas de empregos, compra o que quiser, seja a mais extraordinária paisagem natural ou o recurso mineiro mais agressivo. Sobra um paupérrimo Estado social enquanto alguém o pagar.
É verdade que Portugal tem a Língua Portuguesa mas ela não chega se não houver investimento na Cultura nem novas gerações para gerarem riqueza física e intelectual. E esta rutura da "nacionalidade económica" deixa sobretudo sozinhos os que estão mais longe do grande centro administrativo e não aproveitam o rendimento desta fantasmagórica máquina chamada "Estado". E é isso que abre espaço à Europa das regiões: o que é um país sem coesão, defesa económica ou impostos aceitáveis?
Se é Bruxelas que dá ordens no dinheiro e manda fundos, se as grandes empresas são multinacionais com centros de decisão à distância e os estados centrais são apenas uma máquina de cobrar impostos, há alguém a mais aqui no meio. A Escócia provavelmente vai, in extremis, manter-se no Reino Unido pelo fator sentimental chamado "Rainha". Mas a Catalunha já está para lá dos sentimentos e vai mesmo quebrar a Espanha - é a região número 1 em arrecadação de impostos e a 4.ª no ranking quando se trata de distribuí-la pelos seus cidadãos. Este é o perigo: há demasiada revolta em muita gente para que as coisas fiquem eternamente na mesma. Para que serve o Estado Central se falha em quase tudo?