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Por não me encontrar em Portugal não pude assistir à conferência organizada pelo JN nos seus 130 anos de vida.
O tema - a língua portuguesa como ativo estratégico - é da maior relevância e o quadro em que foi discutido demonstrou uma visão correta sobre a sua globalidade e uma noção frontal do nível institucional a que tem de ser assumido na rede de países a que diz respeito.
Pelos ecos que pude obter, a discussão foi séria e a conclusão inescapável - há que gerir a correspondência entre a dimensão deste património linguístico e a capacidade de intervenção cultural, política e económica dos que o possuem - dos países aos indivíduos.
Para ajudar a uma reflexão mais calma e aprofundada sobre o tema, teve ainda o JN a excelente ideia de reproduzir em fascículos, com pequenas alterações, os conteúdos da segunda edição do original Novo Atlas da Língua Portuguesa, editado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda em janeiro de 2018.
Em cinco volumes é possível percorrer a história, a geografia, demografia e o ensino da língua portuguesa, a posição geoestratégica e expressão económica dos PALOP, os fenómenos culturais e científicos associados aos seus usuários, os seus protagonistas maiores e as novas plataformas para a sua disseminação.
Fáceis de manusear e bem editados, os fascículos deste Novo Atlas convocam a uma leitura corrida e a consultas recorrentes com o luxo de, por ser em papel, poder ser plenamente usufruído sem a constante luta contra os anúncios que tornam a leitura e o estudo online um inferno.
Por obrigar a reflexão demorada e a verificações rigorosas de muitos dados e textos, considero provisórias, ou até erróneas, as ideias que até agora me ficaram.
Deixo-as como contributo inicial à reflexão: que outro país com pouco mais de 6 milhões de habitantes estimados para 2100 é berço linguístico, com especiais responsabilidades, de uma comunidade de mais de 520 milhões de habitantes?; tendo em conta a abrangência do fenómeno e o seu impacto potencialmente avassalador não deveria ser considerado um eixo absolutamente prioritário, a par com a demografia, da nossa governação?; estando estimado com meridiana clareza que será em África que, por 2100, se concentrará o maior número de falantes de língua portuguesa, não devíamos estar a assistir à implementação de uma estratégia que participasse neste movimento para tirar partido da sua sedimentação?; sendo seguramente heroica a gestão dos recursos que Portugal terá afetos a este ativo tão complexo e tão disseminado, não seria desejável a concentração dos mesmos no território do futuro tirando partido, por exemplo, de uma reorganização da rede assente numa política de cogestão designadamente com a Rede Brasil Cultural?
Continuarei a ler e a pensar na esperança de que o quem nos representa e quem nos governa, por uma vez, tenha a coragem de olhar o mar que se vê da nossa língua.
* Vergílio Ferreira
* ANALISTA FINANCEIRA